Desenho-te asas que não te pesem

Data 30/08/2007 12:11:20 | Tópico: Poemas -> Amor

Esgravato as pedras da calçada, o desalinho das pedras,
em busca da raiz primeira da palavra,

… da palavra mágica,

no embuste etimológico, na anfibiologia retrata e vasta
de quem, dormindo, acorda e borda em crivos de planura,
com sal, saliva e dor,
as cores milenares nos lenços do (des)amor.

Revolvo o desassossego do verbo verde de ti,
a taça aberta desta rua tão vazia,
a melancolia suspensa por molas no estendal da agonia.

Aspiro, sorvendo, o hálito liquefeito e condensado
das rosas desfolhadas p’la manhã,
da tua voz incendiada ao meu ouvido,
o rouco do cigarro, o bafo morno e conhecido.

Ilumino-me no sobrenatural da luz incandescente,
a avolumar de anjos brancos a crista da onda.

Desenho-te asas que não te pesem, que não te domem
para que, sobre os meus passos corredios,
na leveza do abstracto que se eleva do teu mar,
me venhas tomar, e me possuas, na carne e na alma,
com a fúria fogosa que acorda a sensualidade desmedida
em luas espantadas no meu peito.

Estico o corpo, alongo o passo em movimento,
numa vã tentativa de romper a inércia das asas de borboleta
suspensas na cera aguada das fragas, em melaço tremeluzente.

Grito o teu nome, sibilado ao vento que passa,
letra a letra, letra a letra … ternamente…

Clamo o fermento do teu cheiro de silvado, enceto o gesto,
recolho o fruto maduro e suculento que deposito
sobre cama de vime, no talco branco das águas.

Na voluptuosidade da loucura, sacudo os cabelos soltos dos astros,
arrebato as veias abertas do teu verso,
por onde corro livre e nua, para que,
e sem que te dês conta, sem que te reconheças e te impeças,
avances.

Agora, amado, somos tão-somente pedras cruas de calçada,
dispostas lado a lado, na frialdade da rua.






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