
Eu, ele e o diabo
Data 08/12/2010 20:23:26 | Tópico: Poemas
| Ontem morri... Mas, não foi como das outras vezes... Ontem morri mesmo... Foi diferente, foi humano... Ontem morri e hoje não renasci. Tomei a pílula da sanidade, montei o unicórnio dourado, subornei a morte e fui ao inferno. Contudo, nada tinha mudado desde da última vez que lá estive... Continuava frio e fedia a cadáveres marcados pelo arrependimento. E a música... A música era sempre a mesma. Sempre aquele som agudo da dor cantado em uníssono. Até o bilhete que usei para entrar da primeira vez era o mesmo. O porteiro era o mesmo... O diabo também não tinha mudado e usava a mesma roupa... Estava tudo igual desde que deixei lá a alma. Porém, já não sentia aquele arrepio que me gelava os ossos. Desta vez sentia calor... Não o calor dos sentimentos e das emoções, mas o calor do pecado. Ontem ardi... Ontem paguei o imposto por viver e amar. Ontem morri... Mas não foi como das outras vezes... Talvez o diabo soubesse porquê... Tentei encontra-lo e, pelo caminho, encontrei um anão surdo, que pedia esmola enquanto tocava flauta mágica. Tivemos uma conversa agradável e no fim, ele disse-me o que eu queria saber. Disse que podia encontrar o diabo perto do infinito. Então, fui em direcção ao mesmo... A viagem foi atribulada, mas, após uma eternidade e alguns segundos, lá cheguei. Por fim, lá estava eu. Sozinho, amargurado e frustrado no corredor da solidão à espera de nada enquanto o tempo me corrompia. Subitamente, uma porta abriu! Era o diabo. Lentamente olhou para mim e sorriu. Entra! Disse ele. Então, na ânsia de respostas, levantei-me, e ao passar pela porta reparei numa placa velha e gasta, que lá estava. Dizia, Bem-vindo... Ontem morri... Ontem morri e, hoje, não renasci. Excerto do livro Alma em Piano, Carlos Leite
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