PRIMEIRA CRÔNICA DE NATAL

Data 11/12/2010 22:51:16 | Tópico: Poemas

Detesto o natal. E por tabela o tal ano novo. Isto não tem nada a ver com o fato de ter perdido os meus pais - minha mãe morreu em janeiro deste ano. Sempre administrei bem a morte.Não, vem da infância minha aversão a estas datas. Trancava-me no quarto. Iam me buscar à força para a maldita ceia.
Comilanças. Sorrisos. Abraços. A música enjoada que vinha da rua, trazida por uma banda, composta de miseráveis, que iam de casa em casa. Paravam diante do portão, cantavam as cantigas horrorosas - sempre as mesmas - e ficavam à espera de alguns trocados.
Noite feliz. Noite feliz, porra nenhuma.
Saio à rua agora. Na calçada, embaixo do prédio onde moro, deitados em cima de caixas de papelão, homens, mulheres e crianças preparam-se para dormir. Noite feliz. Não vou fazer demagogia. Acredito que as noites deles, apesar do descaso que a vida lhes deu, sejam mais felizes que as minhas. Bem mais. Não duvido. Eles não devem nada a ninguém. Não lêem e nem assistem os jornais. Gozam da liberdade da indigência.Às vezes os invejo.
Acho mesmo que se o Cristo é de fato o filho de Deus e andou por este mundo para nos ensinar,também deve estar de saco cheio. Ter de voltar à condição de recém-nascido todos os anos deve ser um porre.
Vou ficar sozinho. Karla vai estar no Rio. Não é justo que eu queira a presença dela aqui comigo. Tem uma filha de 13 anos. Não seria correto da minha parte apagar os sonhos de uma menina. Feliz natal, o caralho. Por que as pessoas são obrigadas a ser felizes e boas no natal? A merda é que os bares não abrem. Tenho de me abastecer antes. Duas garrafas de uísque, alguns maços de cigarro. Quem sabe o sono me vem antes da meia-noite. E no dia seguinte, por obra e graça do santo malte escocês, eu não consiga me lembrar de nada. Nada.

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júlio



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