DA INTERPRETAÇÃO DE POEMAS

Data 14/12/2010 20:01:23 | Tópico: Crónicas

"Quando se pergunta a um autor
o que ele quis dizer, um dos dois
é burro."
(Mario Quintana)

Não há nada mais pretensioso e sem sal do que interpretar um poema. Acho uma invasão ao universo do poeta. Uma tremenda falta de educação. Ora, um poema é bom ou é ruim - mais nada. Assim como a pintura, a poesia, dita a mãe das artes, é a única forma de expressão que não tolera desaforo. E isto basta.
Quando alguém, ao ler um poema meu, ousa comentar que eu quis dizer isso ou aquilo, posso até concorar, por educação. Mas por dentro me rio todo. Porque, na maioria das vezes, não quis dizer absolutamente nada. Apenas gostei dos versos ou de uma imagem que me veio - e escrevi, sem me importar com o seu conteúdo. Posso escrever um poema tristíssimo estando alegre.
Claro, em alguns poemas o sentimento está expresso nitidamente. Não é preciso interpretá-lo. Está dito. E pronto.
De minha parte, dispenso as análises acadêmicas - são chatíssimas e presunçosas. Pior ainda são aqueles que comentam por metáforas, achando genial o besteirol que acabaram de dizer ou escrever. O tal papo-cabeça. Que saco!
Vou lembrar aqui um episódio ocorrido com Carlos Drummond de Andrade, que o próprio fez questão de levar aos leitores do extinto Jornal do Brasil, do Rio Janeiro, onde mantinha uma coluna.
Alunos do curso de Letras da PUC-RJ acharam por bem enviar ao poeta um estudo sobre alguns de seus poemas. Dissecaram os versos de Drummond como um legista disseca um cadáver. Enviaram a ele um ensaio cheio de figuras de linguagem. Inavdiram o universo do autor de E Agora, José?
Drummond conta que ao acordar pela manhã levou um susto imenso. Hipérboles. Anacolutos. Metonímias. E uma pá de baboseiras mais.
"Senti-me o pior dos monstros" - escreveu o poeta, em sua crônica. "Meus pobres poeminhas. Nunca pensei em nada dessas coisas que escreveram sobre eles. Apenas achei as imagens bonitas e quis escrevê-las."
Acho que me fiz compreender. Drummond quando escreveu "no meio do caminho tinha pedra", contrariando, propositalmente, a forma dita culta, que pediria havia uma pedra, quis apenas dizer que tinha uma pedra no meio do caminho. Mais nada. Mas críticos e "comentadores" - principalmente os de sites, cujo comenhecimento de teoria literária é pra lá de precário - adoram buscar chifres em cabeça de cavalo. Como papel e tela de computador aceitam tudo, paciência.
Também não creio em inspiração. Não vou ao extremo de João Cabral de Melo Neto, que separava a poesia da emoção. João Cabral, poeta estupendo, era um neurótico inconteste. A emoção é importante, sim. Mas bem dosada, como açúcar. Em excesso, há o risco do poema sair enjoativo. Mas tenho restrições àqueles que dizem escrever o que sentem. Quem só escreve o que sente, eu sinto muito. Poesia não é divã de analista. Como disse Mallarmé, "um poema se faz com ideias, não com sentimentos." Mas dizer aqui, neste espaço, é malhar em ferro frio. Então agradeço aos beijinhos que me enviam. E sigo em frente.

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júlio




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