
Aventura no Metro
Data 03/09/2007 14:28:21 | Tópico: Textos
| O ritual repete-se diariamente, o mesmo trajecto, a mesma viagem, só mudam os odores. As caras também se repetem, quase sempre as mesmas. Raramente se vê alguém sorrir. As caras fechadas, impenetráveis, são uma constante a que já estou habituado, ou não fosse este um país de gente que se julga superior aos outros. Sigo viagem sentado à janela, lendo como habitualmente. As minhas companhias perfeitas são, o jornal diário, os meus livros e o mp4. Reparo em duas senhoras, uma sentada ao meu lado e a outra em frente. Os odores à minha volta mudam de repente, uma mistura de peixe cru, fora de prazo, e suor de quinze dias pairam no ar. Falam do dia-a-dia em voz alta e fazendo gestos com os braços, com as mãos, pernas, cabeça e tudo o mais... como é típico em Portugal. Sou obrigado a ouvir mesmo não querendo, tal é o volume do som e da conversa. Ainda pensei pedir-lhes educadamente: " Por favor minhas senhoras, não se importam de baixar o volume? E já agora podiam evitar o gesticular dos braços? É que o odor que vos sai dos sovacos cola-se às minhas narinas. Ah…E por favor, fechem as pernas por causa das moscas! Muito agradecido". Mas não sou capaz. Fico calado a olhar para as guelras de um carapau amanhado pendurado no avental de uma das senhoras. Olho lá para fora, não consigo concentrar-me no livro. A conversa das Marias continua. Dizem mal de gente que não está presente, (mais uma nobre característica dos portugueses) , e assim tomo conhecimento da vida de mais de uma dúzia de pessoas, que moram no meu quarteirão. - Sabias que a filha da Chica abortou? - Meu Deus, não me digas!!! - É verdade mulher, até eu fiquei parva! "Pronto... Vai começar a discussão sobre o aborto, só me faltava esta", pensei. As moralistas continuam a acusar quem aborta, e blá blá blá…Nesse preciso momento, uma delas, olha-me de esguelha como se estivesse à espera de um comentário meu para poder cair–me em cima, de certeza, e não tardou: - Desculpe, o senhor não acha mal que se aborte assim de qualquer maneira, só porque sim? Respondo-lhe: - Eu não acho nada minha senhora. Desde que não abortem para cima de mim, está tudo bem! Faz-se um breve silêncio, olham uma para a outra. Felizmente a seguinte paragem é a minha. Peço licença, e saio apressado ao mesmo tempo que um sujeito, sentado num banco lateral, sorri e diz: - Boa! Sinceramente, acho que desta vez me livrei de "boa"!
(Toze Ribeiro)
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