UM POBRE AJUDA OUTRO POBRE...SOS RIO/SÃOPAULO

Data 13/01/2011 18:23:19 | Tópico: Crónicas

"Um pobre ajuda outro pobre
Até melhorar..."
Do samba Zelão, de Sérgio Ricardo


Vou vendo pela TV os estragos que as chuvas andam fazendo no Rio e em São Paulo. Mortos, desabrigados, desesperados. Este é o quadro triste das duas principais cidades brasileiras. São Paulo, a quarta maior do mundo. Rio de Janeiro, cartão postal do Brasil e sede dos Jogos Olímpicos.
Pode isso?
Não pode. Mas está aí, no focinho de todos nós, inclusive das autoridades que ajudamos a escolher. Ajudamos? Eu, não. Há muito abdiquei do direito de votar. Prefiro pagar multa. Me sai mais barato do que colocar nas cadeiras do poder um bando de picaretas, sanguessugas, ordinários e o diabo-a-quatro.
Ontem, no jornal da TV, vi uma mulher, na porta do necrotério de Teresópolis, no Rio de Janeiro. Uma mulher, não, mas uma multidão de desesperados, aguardando ver se reconheciam corpos de parentes desaparecidos. Mas a mulher foi quem deu entrevista.
Uma mulher bonita, de classe média. Portanto, não era miserável. Mas perdeu quinze pessoas da família num desabamento, provocado pelo aguaceiro impiedoso.
Fico pensando nos sem eira-e-sem-beira que, na verdade, são maioria. Estes acostumados à porrada diária talvez nem tenham tempo de chorar seus mortos. Estes, pobres sobreviventes, também perderam o pouco que tinham. E vão continuar perdendo. Porque vieram a um mundo desigual para perder.
Claro, em São Paulo as águas não vão detonar Morumbi, Alphaville, Jardim América. Lugar de bacana deus-dinheiro protege. Claro, no Rio, as águas também não vão detonar Recreio dos Bandeirantes, Vieira Souto e o caralho-a-quatro. Esta desgraça, que não ocorre a primeira vez, portanto as autoridades estão calejadas de conhece-las, mas se fingem estupefatas, faz-me lembrar o samba do compositor, cantor, cineasta e poeta Sérgio Ricardo. Um artista que durante toda a sua carreira sempre se preocupou com as questões sociais. Hoje, quase não é lembrado. Mas vai bem obrigado, vivendo em Niterói, onde vive também o nosso Zé Silveira.
Pseudônimo artístico de João Mansur Luft, Sérgio, já beirando os oitenta anos, ficou famoso por ter quebrado seu violão e o atirado contra a plateia, no Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. Sua canção, Beto o Bom de Bola, lindíssima, homenageava Mané Garrincha, o craque das pernas tortas, que, sozinho, ganhou para o Brasil a Copa do Mundo de 1962 - Pelé sofreu uma distensão e jogou apenas a primeira partida. Garrincha, na época em que a canção foi composta, já estava na decadência, tomado pelo alcoolismo, que acabaria por matá-lo.
Ao apresentar sua canção, Sérgio se esqueceu que o dono da TV Record, Paulo Machado de Carvalho, era cartola de futebol. E a canção criticava a cartolagem canalha. Daí a armação das vaias, que levaram o compositor a quebrar o violão.
Mas o que isso tem a ver com a enchente?
Sérgio Ricardo tem. Antes do episódio do violão, ele compos seu grande sucesso, Zelão. O samba conta a história de quem perdeu tudo no deslizamento do morro, por causa das chuvas. O samba é antigo. E permanece atual. A letra diz:
"Todo morro entendeu
Quando Zelão chorou
Ninguém riu ninguém brincou
E era carnaval
No fogo de um barracão
Só se cozinha ilusão
Restos que a feira deixou
E ainda é pouco só
Mas assim mesmo Zelão
Dizia sempre a sorrir
Um pobre ajuda outro pobre
Até melhorar...
Choveu choveu
A chuva jogou seu barraco no chão
Nem foi possível salvar violão
Que acompanhou morro abaixo a canção
Pedaços tristes do seu coração."

Senhores e Senhoras do poder, são muitos os Zelões neste país. São muitas as Marias ainda neste país. O povo desabrigado do Rio e de São Paulo clama por justiça. Os mortos estão mortos.E Deus já foi brasileiro. Puxou o carro daqui faz tempo.

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júlio


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