... se de mim te ausentas e és distante!

Data 09/09/2007 18:02:13 | Tópico: Poemas -> Amor

Tal prisma de luz decomposto nas cores do arco-íris,
assim as palavras, meu amado,
nos navegam, brisas meninas,
em assomos sincopados de dois barcos
movidos lestos por um vento gregário …

Na noite, na noite que habita em mim,
solto as palavras rescritas num diário imaginário,
... vestidas de silêncio, calçadas de vazio,
as palavras viajam o vento a ondular poeiras inofensivas,
por sobre espigas e papoilas, em asas dulcificadas,
na recolha de néctar em flor incauta.

Rebusco da palavra mágica, um som apenas,
nas rimas imensas de poemas…

Como saber de qual som platina a palavra se veste?

Como decifrar
entre o hoje e o amanhã
quando o rio se entoa no canto lírico da flauta …
da flauta de Pan, e nos domina,
num sibilado pungente e tão agreste?

E dos campos ao redor
a neblina se dissipa e logo desce,
e logo cresce, enorme … enorme,
à doçura suplantada nos gestos da harpa,
nos gritos do xilofone?

E nós somos tenores, sopranos,
bolinamo-nos insanos em cânticos de ambiguidade,
em busca da soma derradeira de um saber incerto?

E somos tão somente, o somatório maior d’afecto?

Do afecto supremo que sabemos existir
na transparência,
na ressonância álacre,
no caudal do rio em busca de estuário,
no canto que se explode virginal na garganta da noite,
à distância contraposta dos pavilhões, das trompetas e estandartes …

A marcha triunfante das palavras, meu amado,
ecoa-se sempre a teu lado… a nosso lado.

Estas em que me deito, em que me alento,
em que me emulo em desgraça e fortuna,
e que, no desalento não me trazem a mão do teu afago.

E sou da solidão, a própria farsa…
da Lezíria não mais que os restolhos dobrados ao fogo,
seara póstuma incendiada,
e no palco, no tablado do desassossego,
boneca de trapos,
marioneta desfeita,
mendiga cravada de piolhos…
E tão só e apenas, andarilha, vate, ou lunática.

O regurgitar em palavras faz de mim, amado,
um comediante sem palco,
soldado sem pátria, eremita errante,
patife ou meliante …
se de mim, amado, te ausentas e és eternamente distante!




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