
Elegia à Sirena Limia
Data 18/03/2011 15:28:24 | Tópico: Poemas
| Agarrado num negro madeiro Maldigo a minha fatal sorte Que me levou o batel inteiro, Negando-me a mim a final morte. Agarrado assim, em delírio, Lembro-me da suave canção Que me trouxe aqui, a este rio, Seguindo aquele deus pagão, Aquele que acerta bem no peito Com flechas vis, de ilusão cheias, Que nos levam a sair do leito Familiar e seguir p’ras praias Longínquas, onde uma sereia Canta, enfeitiça o coração, Faz lançar o batel contra a areia, Afogando a tripulação. Lembro-me de quando descansava, Escutando os sinos de Tregosa, Encostado a um muro eu ‘stava, A admirar aquela flor mimosa, A rosa vermelha, cor de fogo, Que estava num jardim ali perto, Que com o vento fazia o seu jogo, O seu jogo de amor prometido. Então ouvi o negro cântico Que me falava de amor fingido Que eu cria real. Era cínico O canto. Era cínico o canto! Mas eu não o percebia. Para mim Era apenas musica de encanto Que me guiaria para o jardim Eterno. Mas descobri que eterno Somente a morte. Nada mais o é. Neguei então o jardim terreno, Reneguei tudo, até minha fé. Larguei família e amigos. Vi meu nome lançado à lama! Fiz-me um pirata, um saqueador. Matei e o sangue das vitimas Bebi! Hoje, flagelado pela dor, Num papel escrevo estas rimas, Confessando o crime terrível, Que o meu vil amor fez cometer. Sim tu, Sirena amada, horrível, Fingiste o amor, fingiste o prazer. Foste a mão e eu a ‘spada Que juntos desceram sobre a terra Matando todos, até crianças, Sacrificaram o mundo à guerra; Que apagaram todas as mudanças Que nos tentam combater em vão!
Desisto Sirena! Eu desisto! Jamais serie a ‘spada da mão Criminosa. Serei cruz de Cristo, Serei ‘sperança, jamais a morte, Lutarei até ao fim contra ti E, se me ajudar a sacra sorte, Encontrarei o amor que perdi, Salvar-te-ei da vileza da vida, Mostrar-te-ei a vida do ‘spirito E tu a seguirás, protegida Pela mão do divino perito. ... ... ... ... ... Falhei! Afogo-me nesta ria. Matei todos os meus companheiros. Não te salvei, Sirena Limia. ‘Gora nos momentos derradeiros, ‘Gora que sinto a agua a levar-me, Tento dar um último suspiro. Sinto-me etéreo, a elevar-me. Sinto as mãos de um qualquer Zéfiro A colocar-me ali à superfície; Vejo aproximar-se um outro batel, Julgar-me ser uma piscatória ‘specie, Tirando-me da agua, dando-me mel. Dizem que tive sorte, ‘tou vivo. Mal conhecem eles o flagelo Que é viver sendo assim, cativo, Dum qualquer coração de gelo!
Agarrado ainda ao madeiro, Maldigo a minha fatal sorte Que me levou o batel inteiro, Negando-me a mim a final morte. Barroselas 13.10.94
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