
Saudade Eterna
Data 19/03/2011 10:16:42 | Tópico: Poemas
| "Saudade eterna, que pouco duras" (Fernando Pessoa)
I De saudade em saudade vivo eu, Seguindo sempre um rumo incerto, Onde ora ‘stou longe, ora ‘stou perto Dum mundo que nem é meu nem é teu.
Tendo uma lembrança que alguém perdeu, Eu choro (sangue p’los meus olhos verto!) Não sei o que é errado ou certo; Sou alguém que não tem nada seu!
Sofro em silencio. A vida Em mim ‘sgota-se… olho aflito Em redor… a vida oferecida
À arte só me traz desventuras. Minha alma geme… com ela grito: “Saudade eterna, que pouco duras”!
II Tu pouco duras saudade eterna; O conforto tiras dos aflitos, Retiras prazer dos altos gritos, Matas-nos com uma paixão terna.
Quebras-nos uma e outra perna, Fazes-nos cometer vis delitos, ‘Té mesmo incríveis ‘scritos, Mas pouco duras, saudade eterna.
Quando nos acostumamos a ti Logo te afastas, foges de nossas Vidas. Todo o que de ti li
É verdade. É realidade. Tu deixas nos corações mossas Profundas, para a eternidade.
III Mil flechas cravas no coração As vidas, os ‘spiritos flagelas. Mas essas marcas tão singelas Depressa se cicatrizarão,
Ficarão caídas no chão Como crianças dumas favelas Mortas por alguém! Sim só tu gelas O calor duma quente paixão.
E ali ficaremos, num ermo Deserto, onde a vida é criança, Uma criança que chega ao termo
Da sua cruel existência. Da saudade morre a vil lembrança, Das dores sentidas com alegria.
IV Morre a saudade, termina a vida, Morrem também as nossas lembranças, Trespassadas por sentidas lanças Que acabam co’a saudade querida.
Mas morrerá mesmo a sentida Saudade?... Ou fica, sem mudanças, Num coração sem esperanças Do fim da agonia prometida?
Prometida p’la vilã saudade Que finge morrer, mas sobrevive, Que cá fica na eternidade?
E assim ficamos nós, perdidos, Como uma flor que no mundo vive E seca co’os tormentos sentidos.
V Saudade eterna, transformas-te em dor. Morreu a saudade… a dor ficou, Sem luta o coração tomou; Fica conquistado o conquistador.
Morre e vai a enterrar com louvor A saudade a que me vida alguém chegou. Ai de mim que, solitário, vou Ao enterro do sentir vencedor.
Mas fica cá dentro a lembrança Vagueia neste meu corpo mortal. Já perdi totalmente a ‘sperança
De alcançar as sentidas venturas. É esta a triste verdade afinal: Saudade eterna, p’ra sempre duras!
09.02.94
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