
UM TRISTE MILAGRE ou de como Deus sempre dá um jeito em tudo
Data 20/03/2011 07:50:05 | Tópico: Poemas
| UM TRISTE MILAGRE ou de como Deus sempre dá um jeito em tudo
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Cada vida tem seu preço E decerto disso eu sei, Mas bem mais do que mereço Com tais juros eu paguei, Se eu só vivo este tropeço Atropelo qualquer lei, Mas mudando de endereço Nem eu mesmo me acharei. Tanta coisa por viver, Alegria e fantasias, E, porém mal posso ver O cenário enquanto rias Eu sei bem que sem querer, Entre tantas agonias, Uma a mais? Só faz sofrer.
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Minha história começando Quando em sua gravidez Minha mãe sempre rezando, Tão fiel como tu vês Depois de um período infando Sem saber mesmo talvez Tantos anos já tentando Até que um dia então se fez O milagre desejado E decerto com carinho, O caminho desenhado Noutra sorte em doce ninho, Agora se fez ocupado, Por pequeno passarinho.
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Minha mãe adormecida Entre novenas e velas Outra sorte percebida Com a vida já sem celas, Noutro tempo, agradecida Pelas noites claras, belas, Ultrapassa da ferida Suas rotas e cancelas. Depois desta sorte imensa Que decerto se consagre, Na verdade o que ela pensa Num momento onde já sagre Como fosse recompensa Ou talvez algum milagre.
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E nasci sem ser disforme, Mas deveras muito feio, A minha alma não conforme, Porém sigo o triste veio, Quem jamais comigo dorme Com certeza em tal receio, Noutro bicho eu me transforme, Sem fazer sequer rodeio. Na verdade este coitado Não faz mal para ninguém, Todo ser mal desenhado No final já nada tem, Vida dando seu recado, Com deboche e com desdém.
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Quando em minha adolescência O que via neste espelho Já não tendo nem clemência Não precisa de conselho, Outra vez a paciência, Deixa a sorte e eu ajoelho Vida sendo penitência, Ninguém meta o seu bedelho. Na verdade se repares Com certeza num exame, Entre tantos vários pares Não há quem tanto reclame, Companheiro dos altares? Corcunda de Notre-Dame.
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Na verdade vim do avesso, E se possa até saber A feiúra em desapreço Já não deixa nem se ver Outro rumo enfim mereço? Mas não posso conceber Meu caminho eu sempre teço Nos teares do querer. Procurei a cirurgia Algo até que me ajudasse, Quando viu tal heresia Outro rumo então se trace, Doutor nunca operaria, Só milagre muda a face.
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Fui crescendo solitário, Com inveja, me perdoa, Outro tempo é necessário, Já não resta nem canoa, Como ser então corsário, Tento a vida numa boa, Mas seguindo itinerário Tudo sei foi sempre à toa. Não desisto, e se batalho Nada mais posso sentir, Procurando algum atalho, Outro rumo a perseguir, Neste mundo atroz e falho, Acostumado a cair.
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Desde quando a vida traz Uma face desolada Procurar, sendo capaz De rondar na madrugada, Na verdade tanto faz, O final dará em nada, Erro tanto contumaz, Satanás fez a morada No canteiro deste peito Que jamais esqueceria, Não que tenha algum defeito, A verdade em agonia, Traz um cabra insatisfeito Infeliz alegoria.
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Mas o tempo também tem Esperanças com certeza, Este mundo já contém Com carinho e com leveza A presença de outro alguém Mesmo pego de surpresa Que inda possa amar e vem Carregada em correnteza. Nos cinqüenta anos de vida Depois de tantos enganos, Outra sorte percebida, Mas entrando pelos canos No que fosse a preferida Já mudando agora os planos, Noutro rumo, decidida Já não suportava os danos.
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Mas enfim num beijo dei, Nem que seja neste rosto, Dele não me esquecerei, Coração ficando exposto Mergulhar onde sonhei Sem saber qualquer desgosto; Quando a zona eu procurei Expulsado como encosto, Numa noite sem a lua Vendo a moça na sarjeta A minha alma ali flutua Um pecado que cometa Desta deusa seminua, Com horror um: “SAI CAPETA”.
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Minha mãe já bem velhinha Já passando dos noventa Delicada uma santinha, Que decerto me apascenta, Uma sorte que inda tinha Nesta vida tão sangrenta Tantas vezes mais daninha Feita em fúria e na tormenta, Ao saber desta tristeza Outra novena promete E decerto sobre a mesa Um banquete se comete, Sigo contra a correnteza Feito bola na raquete.
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Aprendendo a cada dia, Mas sofrendo hoje calado, Minha voz em agonia, Vivo apenas isolado, No caminho onde se via O destino mal traçado, Tanta coisa concebia Este ser mal acabado, No final me acostumando, Como posso? Nem mais sei, Outro tempo bem mais brando, Com a morte enfim terei, Vou pesando em contrabando Toda a dor; esquecerei.
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Aproximo de tal forma Desta sorte sem descanso E deveras me deforma Esperança já nem lanço, Sem poder sequer reforma Vou restando no balanço Prejuízo dita a norma E no fim eu sempre danço. Uma criatura horrenda Não consegue ser feliz, E decerto se desvenda O mistério onde o desfiz, Não seria mera lenda? O que importa? A cicatriz.
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Como disse e não me esqueço Minha mãe sendo fiel Quando viu com tanto apreço O carinho lá do Céu, Mas talvez nalgum tropeço Ou num tombo mais cruel O que tanto em adereço Hoje cumpre o seu papel, Um aborto se esvaindo Na sangrenta sensação O que fora outrora lindo, Não mais tendo solução, Minha mãe ora pedindo, Do infinito a proteção.
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Deus ouvindo a sua filha Tão leal a vida inteira, Desenhando nova trilha, A que possa derradeira, No aborto em armadilha Esta vida enfim se esgueira, Mas a sorte se palmilha Noutro passo, outra ladeira, E sabendo da vontade Da mulher com seus quarenta Em completa lealdade Acalmando esta tormenta, Deste feto, na verdade O que restou? A placenta...
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