... águia d’ asas coladas

Data 21/09/2007 10:11:46 | Tópico: Poemas -> Sombrios

Perpasso lentamente a penumbra húmida da palavra,
afasto as cortinas desmaiadas,
abro janelas onde as madeiras apodrecidas
emolduram os contornos difusos do teu rosto.

Sobre as dobradiças ferrugentas as sombras
rangem e mordem o vento num choro magoado.

Disponho de mim em cálice despido,
o corpo,
a alma,
o verbo e o poema,
sem pele, sem sangue ou carne,
alma desossada em torniquetes ausentes de sentido.

Caminho sem pernas, sem braços, sem gestos,
num caminho ignoto e proibido.
Bebo do ácido acetileno misturado com a aragem,
bebo o vinagre do que um dia foi fruto verde,
mosto e vinho.

Embriagada,
raso a solidão em voos de cera pálida,
águia d’ asas coladas
em queda e em vertigem.
Sou vazio
no eco de búzios desguarnecidos.

Afasto cortinas esburacadas
e deixo que a luz me incendeie de novo a fala.



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