E não se pode matá-los?

Data 11/04/2011 13:30:14 | Tópico: Crónicas

Está em cena, num teatro aqui de Lisboa, uma peça com o título desta crónica – e não se pode matá-los?
Diz a sinopse dessa peça que “a violência pode atingir-nos explosivamente, fisicamente, directamente. Mas pode também inscrever-se nas nossas vidas, nos nossos imaginários, no nosso quotidiano através de mil imagens subtis de que não tomamos consciência a não ser quando a sua acumulação atinge um ponto de efervescência que domina todos os gestos, pensamentos e atitudes.”
Não me considero uma pessoa violenta. Antes pelo contrário (ou, pelo menos, gosto de acreditar que assim é). Confesso, no entanto, que já me aconteceu, por diversas vezes, pensar “e não se pode matá-los?”.
Penso nisso, por exemplo, quando vejo os responsáveis pela actual situação financeira em que vivemos, fazerem-se de vítimas e de desgraçados quando, na verdade, quem está desgraçado é o Zé-povinho que, a cada dia que passa vê aumentar o custo de vida sem que lhe sejam aumentados os rendimentos (sendo que, nalguns casos, até são diminuídos).
Ou quando vejo empresas que sobrevivem do dinheiro dos contribuintes, empresas públicas, portanto, a comprarem viaturas topo de gama para os seus gestores (se não os podem aumentar em ordenado, aumentam em benefícios…)
E não se pode matá-los?
Aos pais que abandonam os filhos, que os violentam (física e psicologicamente), que se descartam das suas responsabilidades? Que preferem comprar tudo e mais alguma coisa e fazer todas as vontades às crianças, para que não sejam contrariadas, levando a que cresçam julgando que se consegue tudo na vida com facilidade?
A todos os que, fazendo-se valer das suas posições junto das crianças, abusam sexualmente delas. Àqueles que acham que tomar conta duma criança ou dum adolescente é fazê-lo chorar, bater-lhe, levando-os muitas vezes ao desespero.
E não se pode matá-los?
A quem não sabe viver em comunidade, a quem é rude, mal-educado, mal-formado, ao ponto de gozar com as pessoas de mais idade, que não sabe aguardar a sua vez para falar, que entende-se como o dono da razão e de todo o que o rodeia.
A quem exige ser tratado pelo seu título académico, achando-se superior aos demais, chegando aos extremos de recusar falar com quem não o utilize.
E não se pode matá-los?
Aos grevistas que, usando e abusando da sua liberdade de fazer greve (que não contesto) violam a liberdade dos demais em se deslocar para os empregos, levando a que haja quem perca o emprego (ou fique em desvantagem nas entrevistas para emprego) por viverem em zonas onde há bastantes greves.
A quem maltrata os idosos e os abandona à sua sorte num qualquer hospital ou lar de terceira idade, sem respeito pelos laços familiares que, muitas das vezes, os une, importando-se apenas com o dinheiro que podem receber.
E não se pode matá-los?
Bem, nalguns casos se calhar matar é exagero. Mas não se pode, sei lá, partir uma perna?... É que, não sei o que pensam mas, a mim, alguns destes casos fazem com que minha parte má ultrapasse a boa.


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