Mastigamos o silêncio

Data 25/09/2007 15:33:36 | Tópico: Poemas -> Introspecção

Atolados em lamaçais,
cativados a pântanos de vermes desiguais,
somos tão só, salgueiros quebradiços,
ainda vestidos de verde, onde um Sol se esgueira,
na ansiedade de um lusco-fusco,
sobre o leito arrebatado aos olhos d’águas.

Mastigamos o silêncio, na vã procura,
quando beijamos pedras que nos devolvem o frio,
em cálice de sílex,
e nos perfuram o ventre na ponta d’espada,
expondo ao mundo o verdete da carne crua,
onde hidras se escondem em tapumes de verdade.

Os nossos braços, afadigados e gastos,
não se potenciam mais.
Não ousam gestos.
Não buscam recatos, afagos, afectos.
Infectos,
esgueiram-se em sombras num céu de chuvas.

Tombados, aluídos, apodrecem com as raízes
nas salinidades imponderáveis de um mar que sobe.
Um mar que viaja em contracção da foz à nascente
e que se manifesta agreste no negro das matrizes.

Em vibração desmedida, gélidos e trémulos,
agasalhamo-nos nas vísceras do próprio rio.

Na impotência, usamos os seixos para produzir fogo.
Mutilamos desejos que se rolam sem razão
quando deixamos que o mapa do futuro
se apague lentamente da palma da nossa mão!



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