Arranho os céus, sangrentos E deponho as armas num gesto que me é dado sem graça Sem nenhuma graça caída do alto do meu sonho
Vivi em tempos remotos A dor do amor A descrença A miséria dos afectos Proscritos na face nua do abismo Esse ermo que m’engole toda E eu toda lhe sou digna E fidedigna consorte na morte devida
Afincadamente digo que sou Mas não sei quando poderei voltar a ser Nem sei se me vejo a denegrir um templo Que me baptizou em menina E me condenou, mulher solta nos caminhos
Trago no corpo a temperança Que me guia por mundos indefinidos Deram-me o justo valor do meu sonho Do tempo em que me vestia de negro por fora E me redescobria às cores Enquanto fado cantado pelas ruas Do lado de dentro do meu corpo
Consumida por todos quantos tinham a fome A roer-lhes os ossos Corrompida pelos que se vestem de manhã E se despem à noite Difusa por não saber ser só uma Em todos os cantos escuros onde me deito Emotiva por me encontrar nua no teu corpo E desajeitada, calada, inerte, e cansada Sou eu, aquela que viste na tua rua
|