Contenção

Data 30/06/2011 17:59:45 | Tópico: Poemas

Quando pequenina a minha mãe sempre dizia:
"Chorar é feio, meninas crescidas
Não se sustentam assim"
Ouvindo, limpava a transparência
dos bagos na ponta do bibe,
endireitava consistente o queixo
estreitinho
e balançava os pés em cadência com
a luz que descia dos vitrais para
sacudir a impaciência inata da criancice.


Mas já nada disto me safa.
Já não trago a porra do bibe às riscas,
nem sei onde pára.
A minha mãe já mais não diz "As meninas"
porque de menina pouco me sobra e
de crescida vai a caminho
de sobrar.
É pela inevitabilidade de circunstância que
tenho que engolir tudo, para dentro
e para baixo,
pudera,
que também as
comoções fossem solúveis nas regurgitações
digestivas, não há que as reduza senão a
incomodativos resquícios que repuxam as
suturas do miocárdio.
Derivado de tal, ando em congestão continuada
e tripas feitas
coração.


Espera, antes que faças brotar tuas
metástases
nos meus sentidos, e no meu discernimento do vulgar,
sabe
que se ao início te reneguei, perdoa,
desconhecia que me ensinaram a andar
para que pudesse chegar ao pé de ti e dizer
te
"bom dia" com um piscar de olhos
matinal, como quem ainda habitua os olhos à luz
que floresce a nascente de todos os dias.
Perdoa, porque hoje fui eu
quem procurou
e não te encontrei em
pensamentos,
palavras actos
e omissões,
e podia continuar pela minha culpa,
amén.

É tudo quanto se lê nos intervalos
dos gestos executados
Prometi contenção sigilosa, para que não se perturbe
a normalidade
Os meus dedos inflamam o papel irregular
E despejei a voz assim que cheguei a casa.


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=191011