... sob o ganir das bruxas

Data 04/10/2007 13:17:07 | Tópico: Poemas -> Sombrios

Vem solidão,
atravessa a bruma ignóbil desta manhã,
desta noite que se esvazia imensurável e já é dia
e conquanto, permanece erecta, opinada, esguia,
nos saltos altos dos nervos cansados
a sustentar barragens de pranto.

Vem solidão, cobre-me longamente nos teus afagos,
morde-me a alma,
suga-me por dentro, abastece-te sem medida ou contenção
do sangue branco e efervescente
que me escorre em supetão do ventre,
no aborto extemporâneo do sonho,
da utopia de um amor maior e intemporal,
do devaneio em que, com bordaduras de diademas de cetim,
sob o ganir das bruxas em noite de lua cheia,
se desenharam lábios sem pudor sobre a minha pele
e o amor debuxou cristal, Columbina e Arlequim.

… vem solidão, agasalha a alma promíscua de saudade.

Toma-me plena em cada letra, num alfabeto inteiro,
bebe o cheiro da morte a exalar do meu corpo,
envolve o que de mim resta em talas gessadas de vento,
que mais sou do que reminiscência, escroto.



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