Ausência (Gabriela Mistral)

Data 17/07/2011 11:46:39 | Tópico: Poemas -> Introspecção

Se vai de ti meu corpo gota a gota.
Se vai minha cara no óleo surdo;
Se vão minhas mãos em mercúrio solto;
Se vão meus pés em dois tempos de pó.

Se vai minha voz, que te fazia sino
fechada a quanto não somos nós.
Se vão meus gestos, que se enovelam,
em lanças, diante de teus olhos.

E se te vai o olhar que entrega,
quando te olha, o zimbro e o olmo.
Vou-me de ti com teus mesmos alentos:
como umidade de teu corpo evaporo.

Vou-me de ti com vigília e com sono,
e em tua recordação mais fiel já me borro.
e em tua memória volto como esses
que não nasceram nem em planos nem em bosques

Sangue seria e me fosse nas palmas
de teu trabalho e em tua boca de sumo.
Tua entranha fosse e seria queimada
em marchas tuas que nunca mais ouço,

e em tua paixão que retumba na noite,
como demência de mares sós.
Se nos vai tudo, se nos vai tudo!

Gabriela Mistral (1889-1955), poetisa chilena, Nobel de Literatura de 1945. Tradução - Maria Teresa Almeida Pina.





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