[Ela, o Porto e Eu]

Data 25/07/2011 03:55:44 | Tópico: Poemas

[Nunca se deslindará a tensão entre a Poesia e a Pintura]

_____________________________
O sol da tarde amortece seus últimos raios
sobre a vida agitada do cais...
No tablado à beira d’água infinita,
de costas para mim, lá está ela,

languidamente sentada sobre uma de suas malas,
com o pé esquerdo apoiado sobre a mala menor.
Quase estática na paisagem, ela olha o horizonte,
e é toda espera [vê-se que anseia].

Olho-a...
E sinto a brisa suave lamber meu rosto
que — eu nunca me vejo! — deve estar embevecido
na muda contemplação desta bela mulher.
[Eu não vi o seu rosto, mas sei que é bela].

De seu corpo longilíneo, esvoaça uma echarpe branca,
feito asas que levam minha imaginação.
Seu chapéu oculta-lhe o rosto,
mas seu corpo conta-me de sua mirada.

Para meu espanto, no cais há:
aquelas malas;
o barco;
a distância;
o vento;
ela, com sua levíssima echarpe branca;
e eu.

Nela, e também em mim — lateja a ansiedade!
Mas sei que ela partirá de sua espera,
e eu ficarei nos molejos da minha!

Mas agora, por um breve instante,
nada muda esta cena que me traspassa:
no porto, estamos ela... e eu,
que estou a ponto de adentrar essa tela!

[Penas do Desterro, 30 de novembro de 1998]

_________________
Da minha coletãnea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Baggio


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=193451