
[A Estiolada]
Data 30/07/2011 18:50:47 | Tópico: Poemas
| É tarde e ela já tomou as providências para a noite, passou a tranca de madeira na porta dos fundos, pôs veneno para o despitismo de baratas que deu de aparecer debaixo do rabo [do fogão de lenha, lugar quentinho onde elas gostam de ficar.
Antes do escuro corredor dos quartos, lá na sala de jantar, no oratório de Santo Antônio, o monte de vela derretida já quase se apagou. Pressurosa, ela acende outra, que a sua esperança ainda não se acabou.
Com a casa adormecida como ela gosta, ela agora está a postos. Pela fresta aberta da veneziana, na escuridão de seu quarto de solteira, ela olha a rua, espreita os pecados alheios. Vigia quem chega com quem, uma batida de porta de carro, a deixa em sobressalto.
Maligna, sua boca saliva os prazeres dos outros que tanto flagela em si:
— Homem nenhum não presta mesmo! — Uai... — pondera a fina ironia de minha mãe — Então, decerto você já experimentou algum!
Com um remoque de irritação, ela arrasta, sonoros, os seus chinelos, pela estreita calçada de cimento do jardim.
Por entre flores e ervas para chás, recolhe, com amargor, o despeito no escuro silêncio de sua casa.
O seu sexo emurchecido, há muito tempo gotejou por alguém, mas gotejou tanto e à toa, que, sem nunca sentir um gozo, secou.
___________ Visitação da minha coletânea "Araguaris[Narrativas Poéticas]", ilustrada por Paula Baggio
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