DIA DE PERDER PAI

Data 01/08/2011 22:25:54 | Tópico: Poemas


DIA DE PERDER PAI

A gralha aterrou no sopé do telhado
Soltou um gorjeio crescido, sufocado
À tarde anil de Curitiba onde eu dormia

Mãe morta, desperta em sonho, falou-me:
- Mano, hoje levo teu pai
Vou dar-lhe abrigo p’ra cá da vida –

Ah, mãe estava remoçada
Num longo vestido branco
E me sorria de coração partido
Eu a sentia - Ela que melhor sabia de mim...

O telefone tocou e me despertou
(Confirmou-se
O augúrio da ave)
Repetiu-se na realidade o delírio
Sonhado...

Eu, conformado, nem chorei
(Sapiência dele estar
Nos braços ternos da minha mãe)

Fiz malas revivendo a infância
E rumei sem afã ao velório

Lá, mirei o padrasto pálido
Com calor de derreter gelo
Depois fui embora sem esboçar palavra
(Não aguardei o enterro)

Esse é meu jeito. Fraco, talvez, admito:
Enterrar meus mortos jamais
Não consigo

(Hoje, lembrei-me o dia todo dele. E me pergunto e repergunto se não deveria ter visto o caixão baixar na terra, essa bobagem... Não, não é remorso, garanto: É o insolúvel oco sem ter um vazio. Meu vazio é consciente da impossibilidade do que lhe falta)




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