DEZ "TEXTÍCULOS" IV
Data 10/08/2011 22:39:09 | Tópico: Poemas
| DEZ "TEXTÍCULOS" IV
- I – PRAZER DÁ VERTIGEM
prazer dá-me vertigem, ah, mas dá-me...
nada melhor do que enrustir a voz da alma na esfinge sangrenta da carne:
devora-me ou arde-me!
- II - NECESSIDADES SAGRADAS
o arremedo de santo fugiu n’um terror demente da estatura do andor
o intestino desandou e o santo manchou o manto do seu sagrado fedor
um horror sacrossanto: houve quem beijou o pano ao canto... milagre! sentiram na boca seu bento sabor
- III – O CEGO, O CÃO E A PEIXARIA
o cão-guia desorientado de tanta perfumaria caiu salivando no buraco bem defronte à peixaria
o seu cego foi levado junto, catando cavaco os dois, buraco abaixo...
o cego sentiu na pele do mal que um mal cheiro trazia porque o escuro da vala, isso, para ele, nada dizia...
mas a noite foi ficando fria: o cão, perdido, gania no fundo das trevas o cego difundia risadas (de ironia) (e o peixe, sem olhos ou voz para nada, fedia)
- IV – DIA APÓS DIA, APÓS DIA...
quando todo dia é o mesmo dia cada mesmo dia, ao final do dia me anuncia: ou dá ou desce (e eu desço, virgem, de cara sombria)
vem a noite que me desalinha e tece por fim confusão e diz-que-diz e uns sonhos à revelia...
haverá o dia que não descerei... Um dia em que darei logo o que o dia me pede... e este dia será, enfim, o “outro dia” que tanto esperei
- V - NINGUÉM FAZ NADA (NEM EU)
não espero mais nada as cores podem ser todas roxas, amarelas... os pássaros podem voar sem asas feito balas de canhões...
não há mais compromisso com nada então fica a natureza desobrigada das primaveras, invernos e que tais estações
a humanidade já pode (e deve) não ter esperança a barca está furada e a água vaza, sagrada, pela popa da arca da aliança
- VI – LOUCURA MATA A GENTE
não é a loucura que mata a gente. loucura sincera é bálsamo. o que mata (aos poucos) é a consciência da própria escravidão. mata mais ainda quando, supondo-nos livres, caímos na contradição da servidão contradição que dói mais que pedra no rim. isso sim enlouquece... mas daí não resulta em loucura sincera... está aí: essa loucura sim, mata a gente
- VII – PAGO QUANDO PUDER
sem a menor exasperação cá escrevo que não escrevo (devo-me, não me nego pago-me quando puder)
- VIII – DESAPRENDER A CHORAR
é a lágrima ressequida que não descai que não soergue. renega-se.
é a gota morta, dessalgada é água desobrigada da empreitada deleitosa do mar...
é tornar a alma desertificada: desaprender a chorar
- IX - AUSTERIDADE:
um sol trancafiado no calabouço.
- X – DESCONTROLE
não houvera dia, hora ou minuto existira sequer segundo em que meu sujeito bruto não borbulhou feito um ovo quebrado e devoluto crespando clara e gema na oleosa frigideira obscura do espaço absoluto
|
|