Para Tudo Sobra Uma Mão

Data 07/10/2007 22:58:34 | Tópico: Poemas -> Surrealistas


Para tudo sobra uma mão.
Creio que o sabes.
Que nenhuma novidade te acontece verdadeiramente. Tudo tu sabes.
Como todos os que param um bocadinho nos dias, Para descer ao fundo das coisas,
Antes de retomar o bailado das superfícies.
Para tudo uma mão cheia de outra coisa.
O oposto do que se tem.
O inverso do que se é.
O contrário do que se quer.
Diferente do que se deseja.
Para tudo, como em tudo, sempre duas mãos.
Como na vida.
E é por isso que toda a escolha é grave,
Pela mão que era a outra.
Porque sobra sempre uma mão, na verdade.
Para tudo.
Sempre.
Que o cuidado esteja então por igual,
No olhar das duas palmas abertas.
Que a atenção lhes siga as linhas,
Na mesma exacta proporção,
A uma e a outra.
E que então o corpo se desequilibre.
Como sempre se desequilibra.
Sempre.
Mas que esse pender lhe seja tão leve,
Quanto grave,
Afinal, sobra ainda e sempre uma mão.
A outra.
A que em algum momento parecia estar a mais,
Ou ser a menos,
E ficou para trás.
Porque tudo o que sobra paira
E tudo o que paira,
Se pode voltar a agarrar um dia.
Mais tarde ou mais cedo.
Quando menos se espera.
Num próximo desequílibrio do corpo.
Basta tão só o cuidado de não a deixar cair,
Ao ponto de verdadeiramente tocar o chão.
Basta a atenção necessária,
A que possa ainda assim continuar a respirar. Mesmo que suspensa.
Enquanto o corpo se volta a equilibrar para o desequilíbrio.
A ela, à outra mão,
Aquela que sempre nos fica sobra.


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