Enquanto houver amanhã

Data 19/08/2011 16:27:20 | Tópico: Textos -> Esperança

A chuva caía insistentemente e a trovoada rosnava a incontida ira dos deuses. A hora tardia deveria remeter-nos para o merecido descanso, após um dia de trabalho duro e daquela sensação, que acomete o homem justo, de dever cumprido. Os relâmpagos sucediam-se, sem complacência pelo pavor que provocam, logo seguidos do avassalador ruído que parece romper a terra nas suas profundezas.
Pensei por instantes se não estaria diante do cenário anunciado do final dos tempos, ou, indo mais longe, da materialização do terceiro segredo de Fátima. Crenças à parte, ninguém poderia ficar indiferente a um cenário aterrorizador, que se prolongou pela noite dentro, sem dar tréguas e denunciar o término, seguido da esperada bonança, que, sempre chega após uma qualquer tempestade. Mas esta era atípica. O meu já meio século de vida nunca vislumbrara nada similar.
Acomodada e por fim ambientada, a sonolência foi-se instalando e tomando conta de mim de tal forma que já só assistia ao fenómeno de fogo cruzado, avermelhado, com um único olho aberto, ainda alerta para qualquer eventualidade de ser obrigada a saltar da cama para me refugiar em nenhures, sítio que apenas existia na minha imaginação, como porto seguro. Deus haveria de poupar o meu lar e a minha família, se o não veneramos com fanatismos fúteis, a verdade é que respeitamos os seus dez mandamentos, o que só por si, já faz de nós seus filhos privilegiados. Que nestas coisas, nunca se sabe quem Deus irá poupar. É melhor não facilitar.
Quando o outro olho começava a denunciar sintomas de rendição pelo cansaço, já o relâmpago se aproximava sobre o nosso telhado, como se uma orquestra de bombos cruzasse os céus em uníssono. Mas, eu sabia que não se tratava de percussão e nem aquela noite dos infernos era música para os meus ouvidos.
De repente, de mãos postas ao céu, pedi a Santa Bárbara virgem que desviasse o rumo daquela enorme e já descontrolada trovoada e entreguei a minha casa e a minha família à vontade de Deus. A única coisa que me lembro antes de adormecer, foi de pensar para comigo:
- Deus está comigo! Amanhã, será um novo dia!
De manhã acordei e nem sinal do temporal que nos assolara na noite anterior.




Maria Fernanda Reis Esteves
51 anos
natural: Setúbal




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