
Semente e Fruto (Cora Coralina)
Data 05/09/2011 19:56:03 | Tópico: Poemas -> Dedicatória
| Um dia, houve. Eu era jovem, cheia de sonhos. Rica de imensa pobreza que me limitava entre oito mulheres que me governavam. E eu parti em busca do meu destino. Ninguém me estendeu a mão. Ninguém me ajudou e todos me jogaram pedras.
Despojada. Apedrejada. Sozinha e perdida nos caminhos incertos da vida. E fui caminhando, caminhando... E me nasceram filhos. E foram eles, frágeis e pequeninos, carecendo de cuidados, crescendo devagarinho. E foram eles a rocha onde me amparei, anteparo à tormenta que viera sobre mim.
Foram eles, na sua fragilidade infante, poste e alicerce, paredes e cobertura, segurança de um lar que o vento da insânia ameaçava desabar. Filhos, pequeninos e frágeis... eu os carregava, eu os alimentava? Não. Foram eles que me carregaram, que me alimentaram.
Foram correntes, amarras, embasamentos. Foram fortes demais. Construíram a minha resistência. Filhos, fostes pão e água no meu deserto. Sombra na minha solidão. Refúgio do meu nada. Removi pedras, quebrei as arestas da vida e [plantei roseiras. Fostes, para mim, semente e fruto. Na vossa inconsciência infantil. Fostes unidade e agregação.
Crescestes numa escola de luta e trabalho, depois, cada qual se foi ao seu melhor destino. E a velha mãe sozinha devia ainda um exemplo de trabalho e de coragem. Minha última dívida de gratidão aos filhos. Fiz a caminhada de retorno às raízes ancestrais. Voltei às origens da minha vida, escrevi o "Cântico da Volta".
Assim devia ser. Fiz um nome bonito de doceira, glória maior. E nas pedras rudes do meu berço gravei poemas.
Cora Coralina,coleção melhores poemas, Editora Global,3a. Ed., 2008, pág. 241-242.
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