A MULHER QUE PASSA

Data 15/09/2011 13:26:45 | Tópico: Prosas Poéticas

Os passantes não gostam de mim, assim como o casmurro chamado dom por ironia de fidalgo.
Sou calada e metida comigo mesma, assim como ele.
É com pequeno esforço que também eles, os que passam, pouco ou nada importam-me a mim. São bonitos. São sinistros. Desimportantes.
Eu, ao contrário, fico acordada para ver a lua que passa. Sento-me ao pé do hibisco e contemplo a obra por toda a madrugada. No frio, calor, no vento ou na tempestade.
Minha vida é pacata, silenciosa e infame. Tal qual a punhalada que sinto no corpo, quando um qualquer me atormenta na fome de esmola na rua.
Não tenho amigos nem nas estações do trem. Nem de partida nem de chegada. A minha vida é a de uma mulher que passa despida de graça e vestida de espinhos nas pontas dos dedos. Não tenho mais nenhuma pressa.
O que você não sabe é que eu vivo de uma saudade. Em verdade, eu vivo de uma lembrança rara. Todas as horas do meu dia são dedicadas a contemplar o rosto pintado em branco e preto na moldura de um retrato.
O meu corpo carrega agudas setas no silêncio intacto das trevas.
Assim, sou eu, esta mulher que passa.



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