O poema não tem morada, nas ruas onde pernoita as sombras esperam a luz que lhes falta, respiram o luar e soletram às estrelas. O poema é filho da palavra, mulher feita e oferecida de faca na liga e palavrão fácil, anda de eira em beira, orgulha-se do flanco sinuoso que oferece impudica ao gume de um ventre entumecido. O poema existe desde sempre na tragédia do ovo que despenca do frágil ninho. Na criança parida nas ruinas de uma bomba. Na gargalhada da puta de esquina, no gorjeio infantil das letras soletradas pela primeira vez. O poema é sarcástico, mau até no trinar fogoso de uma metralha que leva a morte e a dor, vadio na voz do fadista e dançarino nas voltas de um tango. O poema é a flor que te ofereço, a voz que te canta, nasce nos lábios que te beijam e esmorece feliz na boca quente que me inspira. O poema és tu, mulher.
|