POEMA DE DOR OU QUASE UM CONTO DE MORTE

Data 05/11/2011 07:16:42 | Tópico: Poemas

tarde da noite o médico mandou me chamar
- ela só respira por aparelhos, ele disse
- desliga esta merda então - eu repliquei
- eu não posso. fere à ética - ele argumentou
eu disse que era apenas um cadáver que respirava. beijei o rosto sem vida de minha mãe. e desci ao bar.
meia hora depois, já em casa, minha mulher teve paciência pra me dizer:
- ela morreu. ligaram agora do hospital.
eu disse que morta ela já estava.
no velório, não permiti que abrissem o caixão. a cena de horror eu já havia visto na agonia. morto não deve ser visto em estado de morto. mamãe era vaidosa e linda.
quando o caixão baixou à sepultura, beijei a boca da minha mulher. acharam um gesto de horror e deboche. não bastasse que eu estava de chinelos com a calça jeans rasgada nos joelhos.
é que ninguém entendeu: a partir daquela hora minha mulher passava a ser também minha mãe.


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júlio


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