
Ezekiel e a Tenda de Estrelas
Data 14/01/2012 03:08:15 | Tópico: Poemas
| Passagem do conto da Cronicália: "Ezekiel e a Tenda de Estrelas"
Conheci um povo que mora em tendas feitas do céu estrelado, só é possível encontra-los quando uma lamparina se acende de dentro de alguma das tendas ou quando algum gato ou coruja nos mostra o caminho. Apenas é convidado a entrar na tenda aquele que nunca acreditou numa estória, e eu já fui uma destas pessoas.
Mas não vou contar minha estória Prefiro contar o que se sente dentro e fora da tenda Tão pouco importa a estória daquele que não acredita em estórias Não começa nem termina Só nasce pra morrer sem graça alguma da vida Só serve para explorar jardins sem conhecer florestas
E eu sem morder nem cheirar Passava a vida dormindo acordado Sonhando com promessas e chaves para a liberdade Quebrando janelas de escritório Enquanto via o mundo pagando por ruínas
Pagando por promessas
Atestados solitários de desculpas esfarrapadas Pássaros enjaulados cantarolando liberdade Lutando junto ao vício do preconceito Custando-lhes a busca da liberdade; E o sonho de ser feliz A conquista de esforços rastejantes Que por mero acaso de algo lhe nomeia perito Hasteando a bandeira da responsabilidade bem vestida Em nome de um progresso morto e vingativo Seco dentre os livros Queimado com florestas Torrado como as cobras e os ratos
Jaz na velha candeia da gratidão e do Amor ao próximo; Toda felicidade prometida de alguma época; Toda a superstição perpétua Os enigmas da morte As respostas sobre a vida Respostas que vendem perguntas Perguntas que pedem socorro aos que vendem respostas A compostagem da convivência Aonde por fim tudo se extingue; Aonde por fim Tudo renasce.
Mas estes pensamentos me surgiram fora da tenda Pois os ensinamentos transmitidos nas tendas estreladas são honestos como o vento E nos damos conta de sua consequência depois que ele passou;
As tendas cheiram a frutas estragadas, sândalo e graveto decomposto na terra molhada. A iluminação é alaranjada como que de uma lamparina de moranga E sombras dançam como se surgissem da luz de relâmpagos de tempestade alguma.
Quando entro na tenda ouço o som do deserto Sinto o cansaço de uma longa caminhada A sede da boca cheia de areia; Trazendo de longe um leve salgado dos grãos que um dia habitaram o mar. “Até o deserto convive com lembranças” Camelos sonolentos... ...passos esperançosos das caravanas. O Sol testa meus valores cozinhando minha pele e meus órgãos A Lua enobrece minha alma, deixando-me pequeno como um rato Silencioso como a coruja Desperto como o dia
E como se não bastasse o meu cansaço já vindo de lugar algum Dentro da tenda por detrás de uma canga pendurada como cortina encontro uma ladeira que me sorri descarada, e diz chamar-se Morro do Inhame.
Sentado numa pedra está um homem com chapéu de três pontas que esconde seu rosto, segurando uma placa onde está escrito: “Devemos subir morros antes de contornar destinos”
Senti que fiquei com cara de inhame E fitei o morro; Apontando para o céu Aonde o topo não se vê.
Quase parece que não existe um aonde Mas o “aonde” está lá
E depois do aonde tem uma ladeira que desce Como as costas de uma sereia Como uma gota de suor... ...No oceano de um morro pelado; Que abriga um céu cheio de estrelas; Um sol sem sede e sem dó; E nuvens amigas de um descanso ligeiro, Sob a modesta sombra da goiabeira.
E ao sentir o gosto do suor, lembrei sem saber e sem lembrar que somos feito da mesma matéria que o mar.
Levado pelo vento Chego ao Aonde E o Aonde mostra o dorso da sereia Aliviando meus tormentos O Aonde é o topo da bela vista Que me liberta da cidade Que garante a minha paz Que afasta os solitários do medo e da solidão Traz esperança aos sonhadores Mostra os valores e os coloca em jogo aos pecadores de si mesmos; Dando assim aos desperdiçadores da vida a chance de não se perder mais.
Bruno Prata
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