Herança
Data 27/01/2012 13:59:42 | Tópico: Poemas
| Por que chorais Mar seco ausente, Sem úmido elemento? Por que chorais Como se quisésseis Com vossas lágrimas De marítima saudade Restituir-lhe vigor e força? Por que protestais Se não podeis Arrancar-vos as pernas e os braços, Se há vice-reis Por onde vão tantos passos? Se seguis tão escasso, Perdido e sem grei? Vede bem: A cidade já foi inundada (E acho que sempre esteve) E da enxurrada, Após fevereiro e março, Após Cabral e Gama, Restou um simples sargaço, O sapato roto, sem cadarço – Nau sem amarras, Em vossos pés encalhada, Carcaça de beira de estrada. Quem sabe uma escama, Algo que vos proclama Brasileiro? Rio de Janeiro? Sem paradeiro? Desterrado panorama Que vos amalgama A camas e mucamas... Restou a avenida Beira-mar, O Forte, A rua Luís de Camões, O Paço, O amigo Bonifácio, O Real Gabinete Português, Tanta tez Suada, salgada E todo este lugar Banhado pelo mar. Restou um corpo sem rotas, Soçobrada frota, Restou a memória, Algo que errático Perdeu a trajetória, Algo que afro ou asiático Em vós se agarra feito Alga e algo Que não consigo definir, Heráldico, Luz e visgo De chão alagadiço... Vede, Litorâneos Ou suburbanos, Extemporâneos Ou ibero-americanos, Estamos todos Impregnados Do Eldorado castelhano, Da alga e sal Do mar lusitano.
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