Vejo-te com os olhos indelicados e as mãos sujas e brutas, enterrado em areia movediça, em escolhas tortas. Vejo-te em carros sem direção, em estradas que dão círculos e morrem. Às vezes estás deitado nas costas da fome, na sarjeta que some e te engole, te mastigando sem classe apenas para te cuspir. Estás a sumir dentro de nuvens e maldições.
Viro de costas sem saudade, sem angústia ou qualquer coisa que o valha. Aqui jaz o teu tempo e as palavras que não foram. Dezembro é um trem descarilando no calendário, uma gastrite consumindo as entranhas mofadas da agonia.Tanto faz a poesia que morreu no teu corpo. Quem se importa com os vestígios do dia?
Minha face é a morte que se vai pela noite sem lua quando tudo não era nem eu nem você. Atravessei dezembro e janeiro e o ano já foi inteiro sem promessas, sem sentido. Nunca mais as músicas abafadas e sem promessas, nunca mais os desertos sufocantes da dor. Cheguei na beira da flor sem pétalas ou beleza. Toda a indelicadeza cabe no que exijo esquecimento. Daqui para frente, apenas o vento, somente o vento sem tempestade.