Uma espécie de crónica

Data 02/03/2012 03:23:09 | Tópico: Textos



O caminho era longo. Quase sempre a subir a começar logo pelas escadas do quintal, onde, por entre as canas de milho que me riscavam a pele desnuda, lá me esgueirava em direcção à pequena pereira ao cabo, junto ao tanque onde me empoleirava por um momento a ver saltar as rãs no bordo.
Começava ali o calvário da ladeira, por entre os carvalhos e os pinheiros que o meu pai andava há anos a ver se comprava ao dono, por causa da sombra que tolhia o renovo naquela ponta do quintal. Mas o homem era nhurro e não vendia!
Desde o covão até à lomba, lá se fazia a muito custo em virtude das vergastadas do íngreme na tenrura das pernas. A seguir à assentada da lomba, povoada por grossos pinheiros de resina a tombar nos púcaros de barro castanho, descia-se ali uus passitos e o caminho seguia a direito por mais um bocado para logo retomar na impiedosa subida, por entre tropeços de raízes e escorregos da caruma.
Mesmo que fosse sozinha, nunca o ía de facto. Melros, pintassilgos e cucos eram companhia assídua. Cantavam bem que se fartavam, os malandros, escondidos nos ramos altos dos pinheiros.
A miséria, toda ela de xisto vestida, era o rosto do nome que tinha...
Não sei se por ironia, se por desígnio da sorte, foi na miséria que a morte fez uma espera ao meu avô e o aliviou do molho de mato que trazia às costas. Encontrou-o a minha mãe, certa manhã já alta, a caminho da desprezos, de onde ele já vinha.
Lá, onde vivem as mais remotas das minhas lembranças, havia uma vida que não consigo aqui escrever em duas ou três linhas, até porque a madrugada já vai alta... Portanto, se não se importam, terá de ficar para um outro dia.



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