Amigo da Alma que Voa

Data 18/03/2012 23:43:03 | Tópico: Poemas

Quando olhar para trás, num relance, sobre o meu ombro, irei ver-te como um raio de luz que já não me consegue alcançar. Ficará preso na distância e perder-se-á na sombra que o meu corpo fará sobre o calçado.

Estarei em contra luz e nesse sombra ficará escondido quem um dia eu fui e quem não consigo mais ser, ficará o escuro do presente e a saudade angustiante do passado.

Perdeste-ás nessa escuridão, nessa sombra negra. Não te conseguirás aproximar da pessoa que não reconhecerás, do corpo que mudou, da alma que se alterou.

O meu corpo mudará, mas as cicatrizes ficaram para sempre. Saradas ou não.
Olharei para trás com um sorriso no rosto e com uma lágrima à porta.

Olharei para trás e acenar-te-ei e e irei fixar-te, o tempo que conseguir até me virar para evitar as mil e uma lágrimas de me assaltarem.
Olharei para trás e vou dizer-te "olá". Ou talvez..."adeus".

Vou sempre olhar por cima do meu ombro e ver-te lá no fundo da rua, como um vulto com cor, como um corpo semi-transparente, flutuante, que imitará a mais das radiantes luzes, embora agora fraquinha.
Irei acenar-te e nenhum deles verá. Nenhum deles te poderá ver.
Pois serás o que para eles nunca poderá viver numa mulher adulta, posta na Realidade.

Serás uma sombra de criança feliz que não mais poderá existir naquele corpo.
Eles vão matar-te, vão tirar-te de mim. Vão dizer que é hora de saires, que é hora de te deixar ir. Que é hora de crescer.

E eu vou lutar para não crescer, para não me levarem de ti. Para não te levarem de mim.
Irei agarrar-me à tua ideia e irei espernear, irei ser ridícula em público. Vou sorrir e não os irei deixar entrar em mim, para te levarem.

E quando estiverem prestes a rebentar a porta para me invadirem e te matarem, irei antes prender-te no céu torto e falarei contigo todas as noites.
Eles estão a matar-te, aos poucos.

Eles veêm-me a falar contigo e pensam que sou maluca, doente. Já me chamaram de tudo e nunca acertaram.

Serei a estranha, então. Deixai-me ser a estranha, mas não te deixarei ser levado para longe de mim.
Mas eu sei que eles te matarão, que te irão dizer que não podes ficar em mim, ou comigo.

Um dia, vou olhar de relance, por cima do ombro e sorrir-te.

Tu estarás lá, numa imagem semi-transparente, a sorrir, no fim da rua.
Irás voar no vácuo para mim e, ao chegar à beira da minha sombra, vais afastar-te, ao sentir o frio que reflito no chão.

Vais então permanecer na distância, a sorrir-me. E eu irei sorri também, para o passado.
Serás o vulto do passado, um fantasma de alguém fantástico. Serás um vulto de uma pessoa nunca existente, que morreu.

Irás ser sempre. Sempre irás ficar na alma de quem te criou, de quem te viveu, de quem te deu vida e de quem tu manteste viva.
Irás conter todos os segredos que um dia soubeste. Irás sabê-los de cor, quando eu mesma já os terei esquecido.

Um dia vou sorri-te sobre o ombro e acenar-te.
E verei-te morto, vivo antes da minha sombra. Abanarei os dedos como um "adeus" e mandarei rosas para a tua cova, este buraco vazio dentro do meu peito.

Um dia, irei continuar-te a sorrir.
Lau'Ra



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