
A Essência do Amor - Carta de Paris ao Camarada Kostróv (Vladimir Maiakovski)
Data 30/03/2012 02:49:10 | Tópico: Poemas -> Reflexão
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Perdoe-me, camarada Kostróv, com sua habitual largueza de vista, se eu desperdiço as minhas estrofes de Paris em lírica imprevista.
Imagine: uma beleza entra na sala vestindo peles e adereços. A essa bela presa a minha fala (não sei se bem ou mal) eu endereço:
Sou russo, camarada, e sou famoso em meu país. Já tive muitas namoradas bonitas - todas as que eu quis. As mulheres amam os poetas.
Sou vivo, minha voz é de bom timbre. Tonteio como éter. Basta Ouvir-me Não me fisgam com armas sem valor.
Não caio por qualquer charme. Eu fui para sempre ferido pelo amor - mal e mal posso arrastar-me.
Não meço o amor pelo matrimônio. Deixou de amar – passe bem!
Para mim, camarada, as cerimonias valem menos que um vintém.
Para que ficar pairando? Deixe de onda, formosura, eu não tenho mais vinte anos, mas trinta... e outros tantos fora da conta.
O amor não está em ferver bruscamente, nem está em acender uma fogueira, mas no que há por trás das montanhas do peito e acima da jangal-cabeleira.
Amar é ir ao fundo do cercado e até que a noite - corvo negro - chegue cortar lenha com chispas no machado e a nossa própria força pôr em xeque.
Amar é desfazer-se dos lençóis que a insônia desarruma e com ciúmes de Copérnico, a ele, não o marido da Maria dos Anzóis, considerar rival eterno.
O amor não é paraíso nem geena. Para nós o amor é o atestado de que outra vez se engrena o coração – motor enferrujado.
Você rompeu o fio com Moscou. Os anos criam distâncias. Como explicar o que passou assim de relance?
Na terra há luzes - até o céu ... No céu azul estrelas a granel. Se eu não fosse poeta seria astrônomo por certo.
A praça já se apinha. Os coches rodam. Eu passo anotando linhas No meu livro de notas. Correm os carros rente, mas não me atropelam.
Entendem, de repente: Está em êxtase por ela. Sonhos, visões, excursos enchem-no até os ossos.
Aqui até os ursos ganhariam asas. E agora, quando acabo de fervê-las, num restaurante barato, as palavras soletram das letras às estrelas um cometa dourado.
Deixando pelo céu um longo rastro, brilha a plumagem do cometa, para que os namorados vejam os astros de seus quiosques de violetas.
Para acordar e atrair o apreço desses a que a visão já falha.
Para cortar aos inimigos a cabeça com a longa cauda luminosa navalha.
Ouço em meu peito até o último pulsar como se o estivesse esperando para um encontro: o amor a ressoar simples e humano.
O furacão, o fogo, o mar vêm vindo furiosamente. Quem os pode domar? Você pode? Experimente...
Vladimir Maiakovski, In: Antologia Poética, Tradução: E. Carrera Guerra, SP, 1983
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