A dor da terra (Cassiano Ricardo)
Data 06/04/2012 00:56:47 | Tópico: Poemas -> Dedicatória
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Esta montanha sofre um íntimo tormento. Arremessada para o azul do firmamento, parece que o seu mal é o viver, invocando, no seu pétreo mutismo, o ouro vivo dos astros, sobre a desolação deste mundo execrando, como o perdão da altura aos que vivem de rastros. . .
Toda a tinta da aurora escorre-lhe no dorso, sobre a hedionda nudez do seu vulto retorço. Dá-me a vaga impressão de que a montanha verte luz e sangue, no seu torpor de cataclismo, monstro azul que dormiu, acorrentado e inerte, grito que emudeceu na garganta do abismo!
Onda que foi rolar, criniverde e bravia, e parou! vagalhão absorto, penedia descondensada, dor da Terra, hirta montanha! O homem pensa, e pergunta ao sofrimento absurdo, como, sendo o teu mal de grandeza tamanha, pode um deus existir tão bárbaro e tão surdo!
Esse filões de luar, que te rolam dos flancos, são, no horror da velhice, os teus cabelos brancos; pois, desde o alvorecer deste mundo maldito, nessa imobilidade em que o teu sonho medra, nessa imortalidade obscura, sem um grito, vives acorrentada ao teu ideal de pedra.
Do teu negro silêncio, a água viva que nasce, (fria transudação pelas rugas da face) que nas pedras ressuma e escorre a umedecê-las, é o teu suor de montanha! ajoelhada no fundo da Terra, agrilhoada ao cárcere do mundo, como um gesto de dor ao clarão das estrelas! Cassiano Ricardo (1895-1937), poeta brasileiro.
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