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Data 26/04/2012 13:58:32 | Tópico: Poemas

Pesa-me a solidão dos dias compridos
Os gemidos do vento, por entre as frinchas da pele rasgada
O suor do rosto num atrás longínquo mês de Agosto
Os sonhos, os risos, o choro daquela velha cansada
Meu deus como me pesa o meu percurso sem estrada
Hoje pela manhã acordei, todos os dias acordo, sabiam
Foi uma manhã diferente, não pressenti o presente
Estava ausente de mim, no final da manhã o sol já alto
Pressenti um sobressalto, hoje não estou nos meus dias
Apetece-me chorar, logo agora chorar, porquê chorar
Apetece-me fugir de mim, das minhas recordações
De todos os encontrões que não dei
Pesa-me a solidão dos dias compridos
Tantos sonhos de criança, sem sentido
Sonhava ser bailarina, professora às vezes vestia a bata branca
Da escola, imaginava-me doutora, o gato alarmado fugia a sete pés
Outras vezes era menina do campo, saia rodada, lenço na cabeça
Chapéu de feltro, apanhava azeitona, laranjas, lambuzava a cara
Num figo maduro, como pode uma criança ter tantos sonhos
Se no final só lhe resta o peso dos dias compridos
Desfolham-se numa desfolhada sem espigas, como me doem os dias compridos
Desligo a televisão, o rádio, fecho o computador e digo comigo
Vai para a rua, lá é a tua casa, por entre as pessoas sem rosto
Como posso ir para a rua, se volto e na volta no lugar de um, trago mil olhares
Como posso ir para a rua e deslizar pelo coxear do velho, pela criança que chora
O olhar desconhecido implora que o traga comigo
Como posso ir para a rua e voltar de mãos vazias, não, nos olhares
Tanta falta de alegria, tanta lágrima escondida, tanta gente sozinha
Eu na minha solidão acomodada, deslizo feito água pela solidão dos outros
Eu, que queria ser doutora, professora, mulher do campo
Acabei naufragando nesta escrita contínua
Pesa-me a solidão dos dias compridos, preciso de braços estendidos
Olhares coniventes, sorrisos, muitos sorrisos
Quem sabe amanhã eu volte para a rua e traga na sacola saudades
Saudades dos sorrisos nas caras passantes, amanhã quem sabe
Eu volte a ser criança, de sonhos e esperança
Amanhã de manhã quando acordar direi bom dia à esperança.

Antónia Ruivo

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Amor Gago


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