Brasil para mim tem fragrância de cravo e canela

Data 06/06/2012 19:49:53 | Tópico: Crónicas

Decorria o ano de 1978. Na época, com 18 anos, eu frequentava o então Liceu de Setúbal, numa conjetura política marcada pela recente conquista da liberdade, a revolução dos cravos, em Abril de 1974. Poder-se-ia dizer que se eu era jovem, a democracia em Portugal era ainda uma criança, a ensaiar os primeiros passos, pelas mãos do Primeiro Ministro, Dr. Mário Soares, um dos rostos mais significativos das lutas políticas no tempo do chamado fascismo, encetado pelo emblemático Dr. António Oliveira Salazar, que durante quatro décadas dispôs do destino da Nação e do seu povo humilde e trabalhador e mais tarde, no tempo do Estado Novo, sob a hégide do seu sucessor, Dr. Marcelo Caetano.
Escusado será dizer que de política eu não entendia nada e estava naquela idade em que importante era o enamoramento, melhor dizendo os namoricos e o despertar da sexualidade.
Para quebrar a monotonia das vidas rotineiras, ao fim de um dia de estudos ou de trabalho, as famílias, nessa altura, reuniam-se em torno do televisor, aparelho, exibido com orgulho no seio da classe média, cuja imagem, apesar de ainda ser a preto e branco, se revestia de magia e alimentava os sonhos e a fantasia daqueles que o ostentavam nos seus lares.
Não sendo minha pretensão escrever uma crónica que ilustre uma época específica da história de Portugal, é sim minha intenção contextualizar um fenómeno que liderou os gostos e interesses de toda uma Nação sedenta por alargar horizontes, na descoberta de um mundo rico em diversidade cultural.
A Rádio Televisão Portuguesa (RTP), na altura, o único canal televisivo, apresentava em horário nobre, entre as 20h30 e as 21h, impreterivelmente, episódios diários da primeira telenovela brasileira a ser exibida em terra lusa “Gabriela –cravo e canela”, da autoria do grande escritor baiano, Jorge Amado. Malvina e Jerusa faziam as delícias das jovens da minha idade e até as senhoras mais maduras suspiravam ao ver o idílio amoroso das suas personagens e o charme do bigodinho do Dr. Mundinho, sempre impecavelmente penteado.
Desengane-se quem julgue que as audiências eram predominantemente femininas, o facto é que não se via viva alma nas ruas durante esse período, não havia homem que não emitisse opinião sobre o episódio passado e as rolinhas dos coronéis. Gabriela, que não gostava de sapato, simbolizava para nós meninas de família a imagem da autenticidade e liberdade inadaptada aos modelos impostos pela sociedade, ingénua, sexy e apaixonada por Seu Narcibe.
Outras telenovelas vieram a seguir, mas como não há amor como o primeiro, ainda hoje associo estas imagens, que guardo no relicário da minha juventude, aos bons velhos tempos que mudaram a minha vida ao som da Rita Lee “No escurinho do cinema” e ensaiando o charmosérrimo sotaque brasileiro.
Brasil para mim tem fragrância de cravo e canela.

Maria Fernanda Reis ESteves
Natural: Setúbal
52 anos



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