Noite

Data 08/09/2012 11:02:42 | Tópico: Poemas

Nesta noite não há cantos de melancolia
Dos bêbados à porta do centro comercial
A florir a noite da cidade,
Nem mesmo os gatos vadios
Com seus miados acutilantes
Dilaceram a escuridão,
Nada se vai refugiar na caverna da memória.
Deixou de ser fria a noite.
O meu corpo está trôpego e ébrio,
Uma visão de plena brancura no meio do breu,
Um pano que se estende sobre o meu rosto
Igualmente branco
De uma macieza doentia
Onde o aparecimento de uma ruga imprevista
Transforma-se numa agonia pior que a morte.
Será isto um pesadelo?
Há muros erguidos em meu redor.
São paredes irregulares de uma cova
Em que me afundo.
Nesta noite primeira
A dança das prostitutas ao longo da Avenida,
Os carros que abrandam e as recolhem
Não me desassossegam os sonhos.
O choro de uma criança recém-nascida
Pode bem ser a minha cama.
A luz difusa numa janela de um apartamento
No cimo de um prédio
Projecta uma sombra chinesa
Sobre as nossas consciências:
Uma mulher é agredida e violada
Na mesma cama em quem imaginou ser amada.
Pressagio terramotos do fim do mundo,
Talvez porque isso me traga a sensação dos marmotos
Que vivi sempre que me tomaste em teu corpo.
Mas a lua está ausente dos teus lábios
E mesmo o lago que um dia descortinaste nos meus,
Nesta noite pouco mais são que um pântano.
Os ventos das planícies afagam-me os cabelos
Dos meus olhos secos brotam lágrimas de abandono
No momento em percorro os caminhos incestuosos da morte.
O poema dito é de Pablo Neruda em Os Versos do Capitão




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