Madrasta a poesia? [Chove em Santiago]

Data 14/09/2012 14:51:18 | Tópico: Poemas

Chove em santiago -
Como te posso prenunciar verso
Sabendo que para além de verso
Também foste senha? – Senha
De ódios e sangue
No palco das terras andinas
As bombas arremataram pancadas de Molière
Subiu o pano mais imundo
E sobre o cenário ancestral das terras do Chile
Surgiu um quadro mais negro e triste
Que as terras áridas do Atacama.
Á boca de cena
Aviões sobrevieram no céu da cidade
Apontaram metralhadoras e riscaram a noite
com estrelas cadentes de morte
Afoguentaram os condores no seu voo planante
Um presidente
É assassinado no subúrbio do seu gabinete
Blindados rasgaram o asfalto
Como se cidade fosse um campo
E semearam cardos de sangue
Soldados de fuzis fumegantes
Na traição da madrugada
Ocuparam as esquinas
Mataram sindicalistas
Políticos
Anónimos trabalhadores
Jovens
Lançaram ao oceano presos políticos
Roubaram às mães nos calabouços da tortura cobarde
Os seus filhos
E entregaram-nos aos verdugos dos seus pais
os generais de Pinochet.
Esmagaram os dedos a Vitor Jara
Com a coronha da metralhadora feita machado
No estádio de Santiago do Chile
A cobardia não teve dimensão
E ainda assim o assassinaram
Porque não calou o seu canto.
Um glaciar mais devastador e frio que os vividos na Patagónia
Cobriu com um véu a pátria do Canto General de Neruda

Chove em Santiago –
É poema madrigal de Lorca -
O restolhar dos esbirros franquistas
Mataram Federico pelas costas.
Quem gritou viva la muerte
Não teve coragem de olhar de frente
A poesia dos teus olhos, Federico.
Provavelmente, não chovia em Santiago
No momento em que corpo de Federico tombou na terra,
Ainda respirava o verde dos campos de Andaluzia,
O coração ainda batia num canto gitano
Quando o militar armado na sua majestosa covardia
Puxou do revólver
e sentenciou – "assim deve morrer um maricón!" –

Madrasta poesia que nos dá um verso
Assim ligado à morte e ao ódio.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=230869