
Soturno
Data 12/12/2012 19:27:30 | Tópico: Prosas Poéticas
| A aurora dissolve-se na mancha vermelha alaranjada do sol ressumando na manhã esbaforindo a face triste do chão ressecado a tremeluzir tudo o que é no horizonte O menino nu come o barro queimado das paredes da casa Os dedos dessangrados de cavocar as paredes mortas pelo sol desgarrado No infinito da paisagem desolada, ondulando no ar, galhos secos e uma cisma de esperança A esfera rubra do sol soluça de sede abrasando as pedras que assomam sobre as estações desfeitas em poeira vermelha e pegajosa Nem inverno nem verão nem outono nem primavera Tudo a mesma poeira grossa, o mesmo torrão rachado de chão, as mesmas mãos vazias, o mesmo olhar sedento para o céu A vida passando sem pressa morosa em se acabar enchendo o vento de soluços As flores e os frutos não se modelam no barro seco indistinto e na paciência dos quintais que sangram o que um dia foi mar As mulheres carpem os cântaros vazios sorvendo dos lábios a sede No céu nenhuma ave, na terra nenhuma criação sob as sombras dos galhos secos das árvores A vida carecendo de sentido e de tamanho Carecendo de saberes e outras palavras tão uivantes quanto o silêncio que, embaraçado nos gravetos que rolam pela terra em fogo, insiste em ser a trilha dos dias amorfos e anônimos onde o rio inexiste sem rumo e só o vento quente tem vida
O menino nu carece do barro custoso das paredes e de um olhar de esquecimento que esqueça a sombra da tristeza e do desassossego que o tire da letargia destas terras que evolam-se no ar esturricado
Chora o menino nos seus poucos anos a tocaia que a vida deserta de si inventou Suja os pés neste ar solitário que seca a lágrima no rosto vincado pela terra e pelo medo máscara informe de poeira e suor
Ao longe a tarde crepita em brasas tremeluzindo o braseiro de tudo a sua volta O sol oscila num céu se dissolvendo em vermelhos O olhar incendiado pressente a noite adejando portas e janelas O dia mastigou o menino e deixou-o nos braços magros da noite inerte que se rompe nas lascas das paredes em soluços A terra ressequida não dá cor ao noturno cantochão com que a noite põe fim ao dia A noite denota a imarcescível lua e um ror de estrelas, colunas de um antigo templo, de um antigo tempo, de antigos guias poeira derramada nos milhões de anos, trazendo para as noites seus olhos afeitos a viajarem nos céus de poeiras também A fome deita o menino e seus olhos cansados Ouve-se soluços entremeados de suspiros As indagações adormecem nas ilhas sonâmbulas dos astros e na impermanência do destino A noite se aquieta Silenciam as pedras que há pouco crepitavam sob o braseiro urdido com as mãos coruscantes de um sol que parecia brotar do centro flamante da terra O menino dorme a sua infância exilada Num canto escuro da vida a casa geme ao passar do vento pelas taquaras A lua, silente, alumia as veredas insones Nestes cantos não tem flores nem jardins Só a poeira grossa igual a dos meses e anos anteriores e as crassas paredes que se vai comendo aos pouquinhos conforme a carência e a tristeza esquecidas, aqui, em todo lugar
|
|