SALVAR A MÃE DA FORCA

Data 12/01/2013 15:16:56 | Tópico: Textos

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SALVAR A MÃE DA FORCA

Pois aqui é cidade grande. Os autos atravessam pela via de trás e pela da frente. São direitas cortando às esquerdas a causarem o ânimo alterado dos pilotos, perturbadoramente. E para onde mesmo se dirige tal gente? De onde eles, com efeito, vêm? Surgem à frente feito uma invasão de formigas. Eclode de vez o pensamento: a quem, em crua realidade, toda esta urgência protocolar engana a ponto de resultar nessa caravana de corpos e máquinas? O que é tão pujantemente importante que não permita qualquer balsâmica variante ao transcorrer dos dias, das semanas, dos meses a inevitavelmente resolver o caminhar do tempo através dessa manada fria, constante, conformada? Ah, nojosa constância itinerante, bastarda micro-rotina cigana... Se tanto não intriga seria porque se consente como natural(?) a correria na vida e, afinal, são todos os cidadãos, quase sem exceções, de posse dessa esganação de arrancar a mãe sufocada da forca. O que permanece como ideal é um gigântico afã de se chegar o mais rápido para realizar aquelas imutáveis "coisas importantes". Entenda-se por coisas importantes aquelas imprescindíveis ações incrivelmente idênticas às do dia de ontem, anteontem, trasanteontem e sabe-se lá para trás, tão iguais quanto as originadas em tal ou qual civilização da antiguidade. Um incontinente amanhã chega como o próximo irmão gêmeo de tantos vários. Ele será o mesmo amanhã imaginário da mente condicionada de agora, com os mesmos carros nos mesmos horários, nos mesmíssimos itinerários. Coloque-se aí um mês inteiro e nada mudará, garanto. Será similar (para não dizer igual) porque é um ideal convencionado que inspira o surreal que, no entanto, não se confirma e retorna apenas boçal. Quem duvida disso que, por si, confira. Porém, não se atrase em sua checagem e acompanhe obstinadamente a mesmice qual a mesmice como nobre peça do tabuleiro. Serão os tais retratos copiados, em horários exatos, photocharts implacáveis como um trem-bala japonês. Ao final, apenas um pequeno detalhe mudará: mães (sempre sobra para as pobres mães) semi-enforcadas não poderão ser mais desculpa original para justificar-se essa vida mal-fotocopiada do dia anterior.

(Gê Muniz)



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