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 CanteirosData 20/01/2013 12:08:01 | Tópico: Poemas
 
 |  | Minha casa não tinha jardim, mas tinha um canteiro de flores,
 colado ao muro,
 onde a chuva que caia do telhado no quintal
 respingava nas plantas o gosto imanente das águas
 No canteiro havia
 rosas rubras feito um soneto a um amor antigo
 cravos brancos e as rimas rugosas
 das suas pétalas
 pequeninos pés de maria-sem-vergonha
 multicores, pintadas pela luz macia das estações
 margaridas de um amarelo pra vida inteira,
 antúrios e suas flores fálicas
 Tinha outras flores que ficaram pelo tempo
 Outros tempos que ficaram neste rosto
 que busca o passado do outro lado do espelho
 Nas lembranças, visitantes noturnas,
 que me dizem coisas da infância
 Nesta mão trêmula de agora,
 Nestes olhos que quando olham olham  o mar
 e as praias ao crepúsculo tecendo cores túrgidas de sol e sal
 e os passos na areia fofa que vão ficando como um sinete
 do silêncio que me leva ao mar
 e o ser fechado para a poesia
 que tateando na escuridão ignota
 faz das palavras
 pássaros sem asas
 
 Do canteiro e sua floração saiu a primeira flor
 para a primeira namorada,
 Enquanto entregava a flor,
 a meninada na rua,
 devagar, soprava
 diáfanas bolas de sabão,
 translucidas,
 que o vento levava
 até onde os anjos brincavam
 com as crianças,
 soprando-as,
 com suas bocas sonhadoras
 no ar azul da tarde bordada de sol,
 perpassada de sonhos e de faz de conta,
 onde brilhavam pequeninas gotas de chuva,
 ornando a verde folha,
 escorrendo pela pétala
 reordenando, suavemente, a beleza da natureza
 
 Nas noites sem lua a negra cortina escondia o canteiro
 Noite sem estrelas,
 só mantos de nuvens
 onde a meninada construía os seus sonhos
 e os seus medos e o medo do medo alheio,
 noites imensas na escuridão,
 longe da primavera
 soprando a brisa vinda de um mar intangível
 ondulando os lírios brancos
 e as rosas em suas longas hastes
 dentro de uma noite antiga a despedir-se
 
 É preciso lançar os barcos aos mares
 como as folhas que caem na correnteza dos rios,
 e são levadas pela pureza dos anjos
 É preciso o escuro da noite,
 sem lua,
 sem estrelas,
 para ouvir as antigas vozes,
 a primeira lágrima
 de um antigo amor,
 de uma nova saudade
 
 É essencial cultivar os canteiros
 e as palavras
 que podem ser flores,
 mares,
 amores,
 poesia,
 pequenos gestos de amor
 dentro de um amor imensurável
 o azul e a sombra do azul,
 o sonho que
 dorme náufrago e anônimo na minha existência
 
 É essencial cultivar os canteiros
 e o inaudito murmúrio dos ventos.
 o belo,
 o encanto,
 o indescritível
 É essencial resgatar
 a inefável alegria da infância
 
 As manhãs, sejam azuis ou cinzas ou douradas,
 caminham sem tempo que as tolham,
 sem ruídos de agoras
 trazem o canteiro da infância
 e as flores vicejam
 por entre as emoções que irrompem
 somente no absoluto da poesia
 inexprimível
 como os ventos imponderáveis
 
 No canteiro do meu quintal há flores no outono,
 do outro lado do nevoeiro
 por detrás de qualquer domingo
 no qual se ouve ao longe uma flauta que toca
 para nossos sonhos imaturos
 sedentos de estesia
 como o amor sedento de amor
 como o poeta sedento de um verso
 meigo e suave
 como o beijo de um colibri
 como o sorriso de um palhaço
 como o amanhecer que floresce nos quintais
 das infâncias imperecíveis
 e onde começa a infinda poesia
 
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