A vida ensina-nos... *

Data 27/01/2013 02:09:53 | Tópico: Textos -> Outros

Sempre gostei de escrever. Mas, tímida como era e preguiçosa como sou, deixava a escrita dentro de mim - eu, por dentro, era um caderno de rascunhos, uma prateleira de livros nunca lidos, só escritos, palavra por palavra, capítulo por capítulo, com o cuidado da emoção e a liberdade da imaginação.

(às vezes, escrevia um poema num segundo ou um livro num dia, ou numas horas, vivendo todos os momentos da história como se os estivesse a ler - mas a isso se resumiam os seus destinos: o de serem lidos antes de serem escritos, e esquecidos para sempre, no limbo dos não nascidos.)

Às vezes, lá copiava uma coisinha ou outra para o primeiro papel que me aparecesse à mão... mas tudo ia dar mais ou menos ao mesmo, só que do lado de fora de mim: uma gaveta que ninguém abria, um bolso dum casaco de inverno, um esconderijo remoto, algures no meio das coisas esquecidas... ou então, pior - a uma fogueira voraz ou à divisão minuciosa em ínfimos pedacinhos.

Sempre fui muito dada a sentimentos, e tudo o que eu escrevia era sobre eles, ou sob os seus efeitos. Um amor de verão, um amor maior que o momento, uma desilusão maior que o tempo, uma alegria, uma tristeza, um sentir, enfim. Alma. No princípio de tudo, estava a alma... era só ouvi-la e escrever, "incorporar-me" nela e ser seu instrumento.

Mas, um dia, conheci a maior de todas as dores. A mais devastadora, a mais inspiradora, para uma alma predisposta, como a minha, a expiar-se em palavras.

E então, comecei a escrever, a escrever, a escrever. Primeiro com raiva, depois com mágoa, depois com saudade, depois com doçura, depois com gratidão, numa espécie de descida a um catártico purgatório, ou numa espécie de subida a um céu de reconciliação.

(tudo era mantido ainda no segredo das minhas mãos; na vida, as preterições necessárias são quase sempre mais que as preferências assumidas… )

Reconheço agora que talvez escrevesse para me consolar; para que, ao ler-me, eu pudesse ter dó de mim mesma; para que, ao reler-me, eu pudesse sentir a carícia das lágrimas a reconhecer-me a mão que embalara um berço… Eu não era poetisa, nunca fui poetisa, não sou poeta ou escritora… simplesmente dava livre curso ao que sentia, mas agora com a sabedoria da Dor.

E foi talvez o que eu pretendi, quando comecei a partilhar e a mostrar o que escrevia: consolação, pena (que mais ousaria eu esperar?...) E foi pena o que recebi de muita gente, mais que admiração, mais que reconhecimento de mérito, espanto ou interesse. Ah, mas não posso dizer que não tenha recebido respeito, isso não! – felizmente e especialmente daqueles que fui aprendendo a admirar. Mas os outros, os alguns tais, mais que tudo, liam e sentiam. “Sinto muito”, era o que queriam dizer, no duplo sentido da expressão, dissessem as palavras bonitas que dissessem (e que eu agradecia e agradeço, com sinceridade). “Sinto muito - porque me fazes sentir”, “sinto muito - porque lamento tanto…”.

É isso que, por norma, se recebe, quando, simplesmente, se partilham emoções, sejam elas dores fortes e reais ou “apatetamentos” de amores mal curados, cheios de reticências e extrapolamentos de palavras. É isso – pancadinhas nas costas, beijinhos na alma. E de alguns, investimento de abraços, na esperança de juro.

(mas eu queria mais, muito mais... Quero resgatar tudo o que aprendi, tudo o que guardei, para merecer mais...)

Felizmente, eu tinha os meus tais livros, nas minhas tais prateleiras dentro de mim. E fui fazendo bom uso deles, rebuscando temas, trabalhando pensamentos, relendo histórias, exercitando as palavras e dando bom uso à Gramática Portuguesa, um livrinho que eu tenho desde os meus tempos da primária – ainda em bom estado, por sinal. Felizmente eu tenho amor à escrita e gosto pelo desafio. Não sou ainda poeta, nem escritora, claro que não. Mas persigo esta Arte com muito respeito. E (ainda assim) com muita alma.

(e, felizmente, tenho comigo quem me continue a ler com interesse genuíno e até, espero eu, quiçá admiração… precisamente aqueles que eu gostaria de ter.)

Mas a verdade, a lição que aprendi, o que afinal eu queria dizer, é que… enquanto (só) inspiramos pena, não ameaçamos ninguém, somos elegíveis para entrar no clube do “beijinho” dos outros alguns tais.
Mas quando nos aventuramos “para fora da alma”, num mais sério e abrangente desafio literário… das duas uma: ou provocamos tamanho mal-estar nos “outros alguns tais”, a ponto de sermos banidos do clube, como falsos profetas... ou... ganhamos asas.

(…onde é que guardei eu as minhas asas…?)



*a escrever, também.



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