Ocorrência policial mais ou menos insólita

Data 02/03/2013 05:21:08 | Tópico: Contos -> Policiais

.


Ocorrência policial mais ou menos insólita
(Baseado em fatos reais)



Na delegacia, quatro horas da tarde, expediente quase no fim. Robério, meu parceiro, informa, bufando, que uma “Maria da Penha”, está em andamento. Mas antes, uma palhinha sobre esse meu irmão de profissão.
Rústico assumido, íntegro, mão pesada, voz grave, tenso e um bigode farto em cima de uma careta de quem comeu um pastel estragado no boteco da esquina.
Robério não suporta espancadores de mulheres, mas ele mesmo adoraria soltar umas bolachas na vizinha “cara de privada”. Ela corneia o marido, um carroceiro trabalhador, explica, soltando fumaça pelas ventas e babando pelo canto da boca.
Mas o espancamento que pedia nossa presença, era em povoado próximo, longe da “vizinha gaieira”. Pegamos a viatura, um Gol 1.6, sem rádio de comunicação, sem sirene, mas com um chiado de responsa na correia da ventoinha. “Uma peste”, rosna um Robério impaciente, “barulho dos infernos”. Não era sirene, mas servia.
Robério não dirigia, maltrava o velho Gol alimentando a fantasia de um encontro fortuito, numa noite escura, com a “cara de privada”. Eu, fumando e me divertindo, vento na cara pela janela do velho Gol, curtindo a poeira, as derrapagens na estrada de piçarra, cheiro de mato verde, na verdade era o meu rali Paris Dakar nordestino.
E meu parceiro atrás do volante, faltando um pedaço. Mordi essa peça do sofrido carro no dia em que tentava colar minha foto no perfil do Luso poemas. Vocês já conhecem a história, se não, leiam “Aos construtores desse site”, aqui mesmo.
“Só queria saber quem foi o maluco que arrancou o “tampo” disso aqui (se referindo ao volante), tava esfomeado esse doido, só pode, caralho de merda essa polícia”, fungava um Robério já meio insano. Concordei com ele, claro. Quem seria?

Cinco minutos depois, chegamos.

A mulher, 40 anos, aparentando 55, olho roxo, à sombra de uma árvore, próximo à casa, acompanhada com um filho menor, 10 anos, assustado e abraçado à mãe que não chorava, nordestina “braba” que era, decidida a fazer justiça com o “fidagota” que a espancara, como quem bate numa égua empacada. Esse “fidapeste”, dizia ela.
O marido, magro, rosto marcado pelo sol quente, fumava seu pacaio como quem tinha acabado de cumprir seu trabalho duro na lida do campo.

Robério, sem conversar muito, meteu-lhe a pulseira de aço, enquanto o lavrador, espantado, perguntava “pru móde quê tô sendo prêsun, seu poliça?” e a resposta vindo em seguida, “você bateu na sua mulher, cabra, endoidou foi?” respondendo um Robério pronto a soltar o seu "abanador de nariz quebrado" ou, sua mão "trinca-osso". “Teje preso!”.

“Agora foi qui deu, essa gota! Dispois de 18 anos de casado, num pode mais nem dá uns tapa na minha própria muié.”, protestou o marido.

O momento grave exigia uma postura mais séria, e eu tentei, mas não deu pra segurar. Enquanto Robério olhava feio em minha direção, eu simplesmente perdia o controle das pregas. Minha gargalhada parecia um ataque de nervos misturado a um acesso de tosse.

Voltei dirigindo, o riso emendado à lembrança do volante mordido.
Vi pelo canto dos olhos. Robério também ria enquanto defumava o farto bigode em fundas tragadas.
“Porra, Robério, eu conheço esse peido, foi Vc, seu sacana!”
“Foi não, milton. Foi esse espancador de mulher aí atrás. Ele cagô”.




MF.


.
Maria da Penha:Conhecida como Lei Maria da Penha a lei número 11.340.Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.


Minha paixão é a poesia, mas essa história, sempre quis contar. Deem o devido desconto porque não é a minha praia.

BASEADO EM FATOS REAIS.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=242610