Desespero (republicado)
Data 06/03/2013 01:18:00 | Tópico: Poemas
| O desespero de vidas vazias. Quanto tempo se passou Até que chegássemos aqui? Todos os caminhos Tornaram-se terríveis, Monstruosas quimeras Prontas a nos devorar Com a boca desdentada de fábulas.
O desespero de vidas vazias. Alguém está sempre Prestes a cair, a tombar Num asfalto em chamas Após um dia tórrido, hórrido, Repletos de cacos desesperados, De homens já no bagaço Na volta para casa.
O desespero de vidas vazias, O alarido das discussões Ao telefone, a verborragia Muda em frente ao pc, As caras não se transmudam Iluminadas por tantas luzes? O corpo quer transigir, Mas só encontra o que secreta.
O desespero, os morteiros, O corpo é pequeno demais, Mas teima em sentir, Para logo calar, e como cala Todo um país em chamas, O que desejou tanto sentir, Porque agora só há a profusão, Profissão e tecnicismo.
Olha as cartas, os e-mails, Uns queimamos, outros Apagamos com um simples Toque, tudo tão fácil Como lavar as mãos Antes da refeição, Como lavrar a vida Repartida e burocrática.
Onde foi que nos perdemos? O desespero de vidas vazias Com água encanada, Com carro na garagem, Com bate-papo na internet, Com tv a cabo e comprimidos, Num labirinto secular De programas e utensílios.
Toda a ameaça para fora Dos muros da cidade, Mas não há muros! Para fora dos portões, Que hoje são só um monumento. Para fora de nós mesmos, Mas não há mais nenhuma alcatéia E é narciso quem nos mata.
Se alguns atiram e matam, Nós calamos, os olhos Se fecham para o sono dos justos, Mas todos delinqüimos E acusam-nos disso padres e profetas. Ainda há beleza em salvar-se Num mundo sem salvação? Ainda há beleza? Deleite?
O desespero, e ele é mudo! As fábricas funcionam, regulares, Como os maridos em suas camas. Os prostíbulos apinhados Funcionam regulares Como as missas nos altares. A tarde se oferece sangüínea, Venenosa e sem alarde...
O desespero, e ele é mudo! Fauces abertas sobre todos, A verdade nos calcina! E a mentira chega lívida em aspirinas. As hipóteses trêmulas naufragam Sob o peso incomensurável do silêncio E da inorgânica acidez da chuva Desabando intransigente sobre a terra.
O desespero, e ele é mudo! O destino das mãos se conflagra Na esteira das cifras Os olhos se cifram diante De apólices, títulos e debêntures E o resto do corpo não decifra O que em si segue inominado, Inominável sob o peso do mercado.
O desespero de que tudo já foi E não há nada mais a dizer. O desespero de que não aprendemos, Que desaprendemos e que queima Inutilmente em nosso peito Toda a biblioteca de Alexandria. O ancião morto me disse: “Os homens se matam feito percevejos.”
Mas eu calei, mas eu sangrei Vendo aquela flor de asfalto Irrompendo-me os nervos e os versos. O desespero me silenciou, Depurou-me o próprio silêncio, Enquanto meu filho vai nascer Nesta cidade de bruxas e elefantes, O filho, o filho que vou ter, infante...
O desespero, e ele é mudo! Tantas vozes e nenhuma É nossa, a cidade nos abafa Com alarido e promessa de prazer. E sob dióxida atmosfera, Nos quedamos sem saber Que toda a estrutura provém Da agonia dos céus de outrora.
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