Julio Saraiva estava lá? Vai saber!

Data 10/03/2013 20:56:16 | Tópico: Poemas

À aquela hora, uma da madrugada, já não havia mais ninguém. Delegacia vazia. Exceto três policiais em suas devidas camas. Vítimas atendidas e marginais em suas celas, fui tirar um cochilo num quarto pequeno e improvisado. Mas acordo minutos depois sob o horror do recorrente pesadelo. Um ser estranho deita sobre meu corpo e tenta me sufocar. Não quero mais voltar a dormir. A delegacia, de andar, é enorme, me fazendo sentir uma insegurança estranha. E aquele quartinho improvisado e pequeno me irritava diante da imponência do prédio.
Resolvi passear pelo novo site que me cadastrei, o Luso Poemas, depois de um ano afastado desse trânsito. Não sou homem de muitas ‘virtualidades’. Um sítio basta.
E então aconteceu isto, todos esses poemas. Terminados às seis horas da manhã, mais ou menos, quando uma policial, mulher de cinquenta anos, veio me apurrinhar, no estilo candinha, me dizendo nada para um ouvido cansado e um corpo mais cansado ainda.
Ela terminava sua extra, ia pra casa, graças a Deus. Eu, ainda tinha todo aquele dia de sábado até o domingo, às oito da manhã, quando terminaria meu plantão sem maiores problemas. Mas, neste mesmo plantão tranquilo, três defuntos tangenciaram pela delegacia em direção ao IML, parada obrigatória, antes do inferno.
Chegando em casa às oito e trinta da manhã, minha mulher regava as plantas do jardim. Cheguei feliz. E, estacionado o carro na garagem, ouvindo o primeiro cd do Coldplay, senti uma onda de amor invadir meu corpo e, uma saudade funda e terna do meu irmão de útero, do Zésil (Zésilsilveira) e do Jairo de Salinas, recém Luso, ao meu convite.
Resolvo aliviar a saudade, ligando primeiro pro Zésil, que não dá linha no celular, uma merda. Depois ligo pro Jairo; idem. E meu irmão, fico sabendo, está viajando. Três vezes merda!
Mas o Zésil, naquele momento, impunha uma premência. Vocês saberão o porquê logo mais, se tiverem saco para chegar até o fim. Ele, zésil, assim como o Jairo foi amizade a primeira vista, sem direito a vista nenhuma, porque os dois famigerados, os conheci pela internet, os dois, por causa da poesia; os dois, uma amizade rápida, visceral e espontânea. O Jairo, já tive o prazer e a honra de abraçá-lo em Aracaju. O zésil, o prazer e a honra de uma ligação rápida por celular. Bendita tecnologia!
Mas algo no site, Luso Poemas, naquela madrugada, me chamou a atenção. Um cara. Um poeta. E comecei a lê-lo e foi daí que surgiu esse rompante de poesias.
A última vez que alguém me inspirou assim foi o poeta Fernando Pessoa. Será que o espírito, este outro, bem outro, talvez sabendo dessa amizade/rompante entre mim e o Zésil e, por causa desse amor que o zésil sempre explicitou por esse seu irmão, influenciou nessa brincadeira, nesse presente? Ou simplesmente, nem tão simples assim, uma sincronização Junguiana? Vai saber o que pode um homem sobre pressão. Do amor ou da poesia!

Aí estão todos eles, com amor, os poemas.



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A chave deste mundo


A vida, mesmo sob um teto,
É relento.
O amor, entre apaixonados,
É instinto.

E tudo ilude o homem atento
Porque a chave deste mundo
É essa dor que bem dentro sinto.


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O pesadelo



Uma cascavel abanando o rabo.
Não fosse aquele barulhinho
Iria parecer o sorriso do meu Basenji.





*Basenji é uma raça de cachorro.



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Os invejosos

Quando estão longe de mim
São todos boníssimas pessoas.
Os melhores estão nos cemitérios.



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O cigarro


Ele é quem me fuma
Esse ilusionista filho da puta.



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Minha casa



Dormiria ao relento
Namorando as estrelas.
O problema é me responsabilizar
Por esse universo de coisas.



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Corretivo



Sim, escrevo errado mesmo
E por acaso esse mundo é certo
E por acaso existe alguém infalível
E por acaso te convidei a ler-me
E se por acaso não sabe se comportar
Em casa alheia,
Mesmo ao convite,
Faça apenas isso: não me copie.
Teu exemplo, direi honrado,
Será o meu melhor professor.



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O consolo



A poesia faz qualquer coisa comigo,
Manda e desmanda,
Sai quando quer
E volta tarde da noite, quando dá no telhado.
E no entanto
Ainda consegue ser o meu consolo,
Essa puta.



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Vício dos infernos



Tento não escrever
E até me esforço muito quando paro,
Mas as mãos logo começam a tremer.
A abstinência se impõe,
Me faz babar em qualquer papel
E a fissura pega pesado,
Assalto o primeiro pensamento
Que passa distraído.
Ai de mim...
E pensar que tudo isso
Começou com o filho da puta
Do Drummond.



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A poesia chula



Quem não sabe ler meus poemas
Vê o próprio conteúdo
E sai contente,
Não sabendo que viu a si mesmo.
E nisso há uma terapêutica.
Os tísicos
Não suportariam o torque.
A verdade asfixia os débeis.



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Sobre o voo das letras, da poesia


Não se preocupe, elas têm asas próprias
E voam quando querem.
Algumas só ganham o céu
Quando estão órfãs.
Não se engane,
Elas sabem ser cruéis.
A percepção disso acontece
Pela ordem dos acontecimentos,
Pela nascente:
O homem, esta poesia
Atravessada na guela de deus.



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Da reforma íntima


Se o reboco tá caindo,
Reforça o cimento noutra vez
Ou constrói outra casa,
Dá tempo ao tempo.
A pressa derruba até os castelos.



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Aos críticos


Um bando de onanistas.
Se ao menos usassem o próprio pinto,
Esses eunucos.



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Minha condição social na poesia


Vivo a mendigar palavras,
Termos,
Contextos e curvas entre vírgulas,
No final, aquele ponto.
E dali não avanço,
Ela não permite.
Uma humilhação
Que antes nunca passo.



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Poema linguarudo


Longo, muito longo
E de tão chato
Prefiro aquele cara sem graça
Contando toda a história do filme.

O filme pode até ser bom,
Mas não resiste.
A beleza vai mesmo pro espaço.



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Poema acusatório


São os piores,
Não tendo meio termo.
Acusar, estando certo da culpa,
Pelo menos está certo
Em meio ao constrangimento.

E se errar na acusação,
Este se fudeu mesmo.



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Poema doce


Era um poema muito ruim
Desses que vomitam
Enquanto outros
Se fartam e morrem de rir.



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O porquê da poesia



Não sei não, mas é uma compulsão.
O poeta escreve porque é um transtornado
E na raiz da palavra poeta,
Bem antes da filologia dos gestos,
Deve ter algum indicativo,
Sei lá,
No grego ou no latim.
É o mínimo.
Mas eu não sou tão demente,
Vai tu
Procurar o cu dessa merda.
Eu tenho mais o que fazer...
Poesia, por exemplo e acaso.



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Quando acabar a inspiração



Sei lá quando acabar a inspiração,
Isso é lá título de poema.
Mas quando acabar a inspiração,
Para.
Vai tomar qualquer coisa,
Menos no cu
Se não desconfio que é veado.
E se a inspiração não voltar,
Se fudeu,
Nunca foi poeta.
É o que vou dizer na hora do enterro.




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Uma idiossincrasia


Observo as pedras, tão lentas e calmas,
Como se estivessem num estado
De consciência alterada, um samadhi.
Minha razão lúcida(?)
Diz com uma certa clareza
Sobre a nossa incompatibilidade de gênios.

Mas feito um amor à imprevista retina,
Me sinto assim,
Um escravo, um devoto, um espelho
Totalmente entregue a uma observação
Mais profunda e reflexiva.

Eu as toco e beijo suas rugas,
Mas não as tiro em nenhum momento,
De sua paralisia contemplativa.



...



Estes poemas a seguir foram construídos em outro momento, em mesmo local, mas já em outro estado de espírito. Não sem haver certa curiosidade e sincronia, com o "Poema de vida inteira", como todos podem imaginar o porquê, devido o novo concurso a ser realizado aqui no Luso, do qual não participo.



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Gênio


Se fosse um gênio mesmo,
Usaria a seta retilínea,
O espaço mais curto
Entre o ponto A e o B.
Mas não sou.
E isto fica evidente
Nas curvas de minha poesia.



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Por entre filosofias e poesias


É irritante, mas não deveria.
Mergulho fundo e pesco
Os melhores frutos do mar,
Verdadeiras iguarias.
E tenho que dividir com os asnos e os porcos,
Não porque são restos ou lavagens.
Mas é que alguns gênios,
Por instinto de sobrevivência
Aprenderam com os camaleões
A se disfarçarem por entre os vegetais humanos.
Tenho essa esperança no escuro, nesse breu
Ou, melhor dizendo, nos asnos e porcos.
E de vez em quando, muito de vez em quando,
Consigo achar um caroço nesse angu.
Ademais, é um cuidado que a natureza, muito sabia,
Nos “impõe” a todos.
O veneno é uma questão de quantidade.
E se o senhor ou senhora não pode entender,
Agora já sabe pelo menos isso:
Sem que ao menos desconfie, te carregam no colo
E te protegem dos raios e tempestades
Advindas de certas nuvens carregadas.




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Poema de vida inteira

Daqui de onde estou, bem longe em mim,
Fico em paz e contente, observando as pedras,
As árvores, os rios e os homens,
De um modo que não sei mais
A diferença entre um e outro. Amo tudo.

Mas não é que enlouqueci, bem sei o que sinto,
Porque a diferença está no olhar de quem vê
Com um coração adoentado ou sadio.
Sei disso porque meu coração, neste momento,
Resolveu dar as mãos a esse olhar que contemplo.

Agora que minhas veias parecem estar desentupidas
E que meu sangue corre livremente,
Recebo as mensagens tão claras e lúcidas
Que, por falta do costume me pego a pensar
Em como foi que não tinha antes percebido.

É aquela mesma árvore e aquele mesmo rio
E as pessoas todas, de um mesmo modo,
Agora com esse encanto e simplicidade e esse frescor,
Como quem acorda pela manhã,
O ar nos convidando a respirar pelo simples
Prazer de sentir a vida neste invisível movimento,
Refrigerando o corpo e a alma já muito feliz.

E como foi que não percebi aquela poesia
Em lápis-lazúli, espalhada pelo papel,
Generosamente em átomos e atos aparentemente estáticos
A declamar um amor secreto.
Só mesmo um olhar coberto pelo desamparo
De um coração doentio.

O ver a coisas frias não é porque
Em verdade são frias,
Mas porque uma dislexia de sentimento
Não permitia à ótica o enquadre perfeito.

Mas hoje posso ver meu pai e minha mãe,
Agora tão próximos da partida, mais do que a mim.
Meus olhos não sabiam sentir mais do que o ver
À distância do que eu pensava estar.

Hoje, óculos ajustados às retinas do coração,
Posso retê-los em minha pele e amá-los como
Às pedras e, de tal maneira que,
Se estou com aquela saudade gentil dos meus amados
E a distância não me permite abraçá-los,
Então abraço as pedras e as árvores e me lanço nos rios.
E assim todos ficam felizes; eu, porque saciei meu amor;
Eles, porque sentem que os abraço em todos os lugares
Por onde caminho.

Mas as pessoas todas não sabem do meu secreto olhar,
Que fiz essa cirurgia na alma
E pensam que estou em pleno delírio
Quando me deito sobre as pedras e começo a chorar.
Só neste momento que sinto a brisa me fugir
E meus olhos, em mar e oceano,
A tentar dizer com a voz embargada,
Que havia em mim, em meus olhos,
Uma trave a impedir a luz de um sol,
Que ainda não sabia existir e, tão ali do meu lado.

E nem termino meus pensamentos e sou logo
A imagem perfeita de um louco,
Quando eles mesmos não sabem que estão a doer
Em seus irmãos, em seus pais.
Que estão a cortar as inocentes árvores,
Pouso de descanso para os pássaros,
Ar para os pulmões que estão a respirar.
E pisam nas pequeninas flores que nada faziam
A não ser estar ali, dóceis às abelhas e às fotografias
Ou se emulando, felizes, aos namorados de ocasião.

Neste momento considero a tristeza e o vazio,
Mas só por alguns segundos,
Para logo depois voltar á minha saúde,
Bem rápido, posto que tenho a esperança e confio,
Que o ver alguém amar, possam também se fazer sentir,
Se acostumar e perceber como é bem melhor
O gozo de quem ama as coisas todas.

Porque amando as coisas todas se descobre a verdadeira arte
De viver a eternidade, que é viver em si o universo todo.





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Milton Filho (Srimilton)






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