Metalurgia sem refino (ou a merda em vã tentativa)

Data 21/03/2013 18:21:56 | Tópico: Poemas

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Metalurgia sem refino (ou a merda em vã tentativa)




E descem a marreta ensandecida como quem odeia
A palavra
E levam à forja a milhões de graus
Na esperança de arrancar o escalpo de algum sentido
Ou sabe lá o quê desse desespero.
E machucam e emprestam a feiura
De onde pensei, surpreso, nunca existir o medonho.
E sangram qualquer som hostil enrugado no grunhido,
A perder-se nas entrelinhas desse vazio.

A forma duvida, apesar do brilho(?),
Aliás tudo fica suspenso à beira do abismo
E se precipitam em plásticas espalhadas e disformes,
Posto que a distância impõe respeito nessa queda livre.

E cortam a palavra, e espancam a palavra,
E trituram a palavra entre caninos,
Suponho, como as bestas-feras na impossível fome.
Torcem as roupas íntimas puídas e estendem no varal e
Absolutamente nada dizem aquelas letras tão cheias de aridez,
Que ficam ali, na fileira imensa da estupidez, erguidas ao vento,
Ao curtume da navalha, do bisturi ou da faca
Do profissional da ideoplastia descambada no vil, ilusionista de si mesmo.

Tão bem arrumadas estas construções, tijolo por tijolo,
Num trabalho duro a saltar os olhos do diabo.
Satanás se contorce pleno de inveja –
Como pode essa criatura me superar na hediondez!?

E fundem a palavra, e fodem a palavra
Até putrefazer a palavra neste miasma,
E arrancam da palavra este chiado inconfundível, catarro e asma.
Tudo dentro dos mais altos padrões em série, exigidos pelos
Holofotes da passarela,
No corte e na dupla costura, seguindo as linhas e o modus operandi
De uma inclinada postura para o mais e portentoso nada.
Um niilismo elevado à putrefação e ao molho colorido,
Servindo à estultícia do pensamento fraco.

E vergastam a palavra, e torturam a palavra,
E afogam a palavra, e crucificam a palavra,
Até não haver graça nenhuma em teu sublime uso.
E depois de tudo, sério, muitíssimo sério, como a anta,
Colocam-se à mostra todas as vergonhas e dizem
Sem que ninguém possa ouvi-los:
Eis-me aqui neste aleijado e paralítico poema.

E depois tonitruam entre raios de estupidez: foda-se o amor.
De que me serve esse Assis, se a merda aduba as plantas?
Me alimento delas, dessas raízes.

E continuam na procriação e lambança de hímens e glandes, feito animais,
E riem e choram enviesados nesse sentimentalismo de veias e artérias,
Tão pobres e anêmicos e em sabor próximo, de mãos entrelaçadas.
É deste amor que tanto dizem, e explicam, e regurgitam, e vomitam,
E espalham, e enrabam, e enfrascam
Em vidros pequenos, médios e grandes de perfumes vencidos.

Mas o poeta, coberto de lepra, insiste contundente:
Eis-me aqui nesta construção feita de palha,
Este meu poema, este fogo de segundos,
Este monstro que tanto faz o gosto dos meus pares.

Digo:
E quem terá a coragem de me ouvir nesta solidão amarga
E saborear deste mesmo paladar solitário, talvez pior?
E quem terá a coragem de dançar em cima deste meu cadáver,
Que uni o verso neste multiverso de amar além das coxas?

Mas o amor virou mesmo um hieróglifo
E os arqueólogos não pensam mais em decodificar.
Uma vagina ou um pênis
É o souvenir perfeito e custa bem mais barato.

Para que amar assim tão universo? – pergunta o estulto da perquirição.
Amo somente neste oceano, respondo,
Porque aí sou plenamente livre. Outros lá estão.

As vísceras e seus correlatos, deixo aos cães.





MF.



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