Golpe de asa no sequeiro

Data 23/03/2013 14:14:53 | Tópico: Poemas

GOLPE DE ASA NO SEQUEIRO…
Rogério Martins Simões

Inocento as minhas mãos.
Invento gestos.
Golpeio convenções.
Antecipo decisões
Quero chegar ao cume…
Acender o lume
E descer a vereda num sopro.
Sopra sobre mim, dá-me o trilho…
Golpe de asa no sequeiro.

Inocento a vida.
Piso um milho que suga um canavial.
Debruço-me nas tábuas silenciosas,
O arrabalde enxota um pombo num corte de asas.
Vou a caminho,
Se chegar tarde tarda o destino.
Chegará a tua vez…
Chega a todos,
Quero chegar ao cimo da rampa.
Não! Não preciso de campa,
E de bichinhos da seda,
Acendam o lume!
Golpe de asa no sequeiro


Inocento a minha fala. De que falo?
Falo de sofrimento?
Fala comigo!
Faz um gesto.
Falo!
Golpe de asa no sequeiro

Inocento a sorte. Que sorte?
Estou descalço…
Descalço os pés e coloco as botas das léguas cardadas…
Pesadas tréguas.
Falsas pistas,
Às riscas, no veludo,
É Entrudo e sambo!
Não! Não sei sambar!
Danço tudo…
Danço nas letras!
Basta um toque do moscardo e irei ao fundo.
A orquestra toca,
Na toca me afundo.
Do fundo me ergo, tudo confundo,
Volto ao colete-de-forças que me não dá tréguas.
Golpe de asa no sequeiro


Inocento a pressa. Não me empurres!
Desata o atilho e solta o rouxinol …
Golpe de asa no sequeiro

Inocento a ventura.
Deram-me uma haste e um pano amarelo
Fiz mastro e uma vela.
Não sei velejar!
Tropeço num novelo,
Estatelo-me ao vento.
Arrumo as botas num vão-de-escadas
Escadas não são.
Que sorte: uma tábua de salvação.
Golpe de asa no sequeiro

Inocento o engano!
Troco uma besta
Por dois cavalos a motor.
Trago um guindaste preso a uma retroescavadora.
Que faço com a cenoura?
Que faço com a dor?
Estendo o pano e solto a alma…
Golpe de asa no sequeiro

Inocento o meu coração.
Na escada, que me leva ao azul sereno, ato um laço!
Deixa que te toque no peito.
Abraço-te!
Sinto o pulsar de uma cerejeira…
Golpe de asa no sequeiro

Inocento a esperança.
Entrego ao destino tudo o que me cansa.
Que me cansa?
A falta de esperança?
Este viver desesperado,
Na ponta de uma navalha afiada.
Estou em brasa no cativeiro
Acerto o passo nas limitações…
Não!
Nas figueiras também crescem figos secos e ovos-moles;
Os gaiatos brincam com estrelas;
O sol brilha;
A chuva molha;
A noite apadrinha os beijos;
O vento sopra e dança
O luar distende os versos
Com versos de esperança.

Secam as lágrimas no estendal
Já partiu o aguaceiro…
Golpe de asa no sequeiro…

27-10-2011 00:08:08
(Registado no Ministério da Cultura
- Inspecção-Geral das Actividades Culturais I.G.A.C. –
Processo n.º 2079/09)



Este poema fala da minha dor de Parkinson, da minha vida.



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