
Poema da vida inteira
Data 23/03/2013 22:07:00 | Tópico: Poemas
| Outrora, qual a Aquiles, Quase me devoraste, Escamandro furioso, Procela borrascosa – desmesura. Espremeste-me contra paredes, Pegaste-me pelos gorgomilos, Exigindo-me tudo o que não tinha, Tudo o que perdi ou vendi, Tudo o que sempre exigiste de todos: Venalidade! Enquanto três bocas Choravam ruidosamente. Nestas horas, roubaste-me Até meu corcel negro, E quando pedi ajuda, decretaste: “ – Não sei se é verdade... te vira, rapaz!” Grande artista da esquiva e da omissão, Quase me arrancaste todas as lágrimas, Fazendo-me sinistros convites ao mar. Terrível alquimista, Transformaste todo meu mar e sal Em pedra, todo meu céu e lume em lodo. Entretanto, estou aqui: Mil vezes amado, desprezado, Mil vezes perdido e sem caminho, Mil vezes sem profecia ou futuro A te encarar nos olhos... vivo! Com os ombros curvos De quem muitas vezes baixou a cabeça, Em cadeira, de quem quebrou Orgulhosa cerviz. Hoje, estou aqui te encarando, A esboçar um sorriso, Sem perigo de virar pedra. Outros choram, lamentam-se, Preferem puxar o gatilho da melancolia, Embriagar-se da memória dos que partiram. Comigo não é assim: Já não sinto sede ou fome Na língua seca, no estômago enjoado. O esquecimento é o bálsamo Que ofereces a esta esponja ressequida. Hoje, vozes compungidas Calaram-se em meu peito, Aguilhões a me ferirem Já não fazem mal À carne afeita à dor. Agora, admiro tardes iluminadas e frescas Que tanta luta ensombrou, esfriou, Que tanto arrependimento transformou Em noite e tempestade... Sinto-me faltoso, por isso humano, completo. O futuro não mais me inquieta: vivido está! Perdido está! O passado dia-a-dia julga-me, Mas vou sempre sorvendo as velhas mentiras Que imobilizam toda a culpa E as revoluções deixadas por fazer... O presente reduziu-se a um zéfiro suave, À profunda aceitação. Este momento sem perspectivas, metas, Ou pegadas encapsula-me. Sou duro, carne de pescoço. E agora? Pergunta que já não cabe mais: Agora estou completo, perdido, Perdido...
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