
Será que a poesia tem alma?
Data 03/04/2013 11:15:59 | Tópico: Poemas
| Jamais a alma sente O que o corpo desmente Enquanto pedinte na sua incursão Pelas avenidas novas Jamais os rios sussurram Enquanto as correntes estagnadas Aguardam pela ressurreição das águas
Serão elas a única esperança Para quem vive, e só Para desenhar com palavras As sombras que escondem um rosto Ainda inocente
Para crescer basta ousar Ser Mas para Ser é preciso ousar saber Que o mundo é mundo Só porque existe o céu E ali, nascem e morrem as estrelas Só porque o sol é o astro rei E ali, escondem-se todas as pedras preciosas Só porque existe a vida E com ela a verdade nua e crua De quem vive, cresce e morre até ao juízo final
Mas à noite acontece a lua Para encomendar os sonhos nefastos Daqueles que andam nus A reescrever versos Como pano de fundo Da noite dos poetas vivos E também dos poetas mortos
Mas de dia acontecem as primaveras Para remendar os pesadelos De quem ainda não vive no presente Traçando em versos do passado O berço da sua realidade
(Aguarda ainda para crescer na vontade De querer ousar Ser de verdade?)
Que futuro incerto brilha agora Nos seus olhos! Sim, incerto por ser a sua verdade Esmagada contra a corrente Que os prende ao passado E não os deixa viver o presente
Jamais as palavras serão correntes Enquanto nos rios morrerem poemas Criados com cruzes ao peito E sinais da cruz tortos Arrematados da direita para a esquerda Testa com testa Boca com boca Ombro com ombro Salpicados com água benta Já estagnada nas pias batismais
Jamais será a poesia A fonte de água cristalina Enquanto nos banquetes Se saciam os poetas De fel, como se fosse o mel
Sabe-se que o mel adoça a boca E escorre por todas as entranhas Onde a voz se amacia Tal como os seixos dos rios
Sabe-se que a órbita de um corpo celeste Entra em ação quando No seu corpo palpita o coração
Pobre coração que sente E não se desmente Pobre alma que escurece E não se abastece da maior noite estrelar Pobre poeta que escreve E não se subscreve em sentimento
Aquele que se juntou às mais altas esferas É passado, presente, e futuro Lá, sim onde se dá o renascimento da poesia
- Será que a poesia tem alma? Pergunta-me o poema
Jamais será o poeta, o astro rei da poesia Enquanto não ressuscitar dos mortos E sair dos escombros onde amontoou Palavras, e mais palavras Despidas de sentimento
- Jamais, jamais, jamais…a rima perfeita Para início de um poema sem rimas Mas ritmado no centro Onde nasce o sentimento
Bate agora com a mão no peito - Amem, amém, amém, E no centro do seu corpo ouvem-se rumores Versos que gemem por mais água benta Gemem, gemem, gemem Querem sair e rodopiar Mas o corpo saiu de órbita E nada o fará voltar A ser céu E lua E estrelas E até fonte de água cristalina A correr montanhas E a saciar os rios de novas correntes
E diz ele que é poesia E diz ele que é poeta E diz ele que fala Quando o que sente o cala E o leva a sonhar Com as sombras ainda caladas E sufocadas no seu olhar
Enquanto crescem as flores Ele abandona os andores Enquanto cantam os pássaros Ele abdica de voar no céu Enquanto crescem as árvores Ele despe-se nas margens do rio Enquanto jorram as fontes Ele bebe do que julga ser o supremo Esse incitador que lhe diz Que é o eleito Pela seleção da ordem natural Escolhido para correr mundo
Mas e a poesia? Essa fica enjeitada Ou mesmo calibrada nuns quantos punhados De pepitas de ouro Quando cantada, ou simplesmente Arreada no solo fértil Onde o poeta semeou a sua vontade
Jamais será o verso Estrela cadente no seu cio Por ser fêmea adultera E poeta inculta Nas avenidas novas E até nas velhas Onde estancou agora os seus passos Para ver só, até onde irá Quando já nada tiver para sossegar O corpo e elevar a alma
(Dolores Marques – Ônix; Eventos 2013)
|
|