
POEMA DE VIDA INTEIRA*
Data 07/04/2013 17:49:27 | Tópico: Poemas
| Preparem-se!
Hoje vou penetrar-vos o âmago dos sentidos, Vou arrancar-vos os sangues dos gemidos, Os últimos cantos em dores finas, Percorrer todas as fibrilas clandestinas Dos vossos óbvios e incautos corações! Não tenham medo, calem as orações, Repousem só os credos que aprenderam E leiam-me, como nunca antes me leram!
Entreguem-se!
Regridam até ao útero de todos os inícios Dissequem todos os mínimos indícios Regressem à certeza do pecado original De não nascerem livres de ónus e de aval! Respirem agora as dores aprofundadas Na prematura idade das coisas não faladas, As anestesias das carícias, o colo de vossa mãe, O murro no nariz, e o sangue que essa dor tem!
Recordem-se!
Não foi por aí a primeira desilusão? Não foi por aí que alguém vos deu a mão?... “-Vai por aí, por aqui há coisas que não precisas, Vai por aí, lê assim, senta direito, respeita as divisas...”. Foi por aí também... a primeira traição, amargando fundo, O primeiro amor, engrandecendo o mundo, O adeus imprevidente, rasgando horizontes, O último beijo, secando para sempre as fontes...
Revejam-se!
Na árvore jovem com sede de céu e inferno! Na terra pejada de flores que morrem no inverno! Na ilusão breve de ter o mundo na mão, A certeza toda, a eternidade dos amores de verão... Depois, recaiam na ansiedade de ser, Na dor de um amor, lentamente, a morrer, Na erro fatídico de fazer por fazer e usar por hábito Os mesmo papéis, os mesmos anéis, os mesmo êxitos...
Repesem-se!
Que valor dar ao grito que não nasceu? Que dor chamar ao filho que nos morreu? Que cor inventar para o dia que nos sorriu? Que sabor escolher para o fruto que não surtiu? Que importância dar à palavra que nos magoou? E a primeira bofetada, que dano irreversível nos causou? E o primeiro passo, em que número milenar coube? E as marcas por sarar, os dias por contar, alguém os soube...?
Lede: Por vós, Por mim, Vingai todos os poemas já escritos Sangrai todos os ecos não proscritos!
Vede: Por mim, Por vós, Escrevo este poema de vida inteira... P'la metade, ninguém o creia, ninguém o queira!
*Escrevi este poema para o IV Evento Luso-Poemas, mas, achando-o longo e pesado demais para ser lido entre tantos, "cortei-o" pela metade, para a versão participante. Poesia também é isto, depuração (ou castração...?).
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